Por razões que estimamos absurdas e conflitantes com o labor historiográfico, muito poucos estudos têm sido dedicados aos soldados da fortuna portugueses que batalharam no Oriente entre os séculos XVI e XVII, emprestando o seu saber militar a governantes asiáticos. O estatuto do mercenário - hoje desconsiderado - era então um ofício como qualquer outro. As guerras do renascimento e as dos início da Idade Moderna eram travadas, senão maioritariamente, pelo menos significativamente por homens pagos para os trabalhos de Marte.
Mercenários portugueses havia que serviam os reis birmaneses contra os reis do Sião, como os havia nos exércitos siameses nas guerras com os birmaneses. Soldados da fortuna portugueses serviam também nas fileiras dos exércitos muçulmanos do império Mogol (Índia), na infantaria do reino hindu de Vijayanagar e nos pequenos estados que debruavam o Golfo de Bengala.
Conheci há tempos um investigador escocês que prepara uma obra sobre a participação de mercenários portugueses na guerra que opôs os últimos Ming chineses à nova dinastia Manchu (1644-1911). Não lhe consegui indicar material de arquivo relevante, pois na Torre do Tombo são parcas as referências a tal envolvimento. Limitei-me a recomendar-lhe o clássico de Charles Boxer, Expedições militares portuguesas em auxílio Mings contra os Manchus, 1621-1647.
O que sabemos, contudo, é que em 1646, as autoridades de Macau foram pressionadas para colaborarem na guerra que Zhu Youlang - o último Ming - travava com os Manchus invasores. Estes haviam tomado Pequim e Nanquim e a guerra deslocara-se para o sul do Império do Meio. Estava-se na última fase de uma guerra que surgia como antecipadamente perdida para os partidários da dinastia em ocaso. Em Janeiro de 1647, Cantão, a grande cidade do sul caia e o exército Ming retirou para Kweilin, capital da vizinha província de Kwangsi.
Em Macau formou-se um inteiro regimento de arcabuzeiros, formado por filhos da terra (macaenses), por reinóis (gente do Portugal europeu) e muitos escravos negros. Eram 300, como os guerreiros que Esparta enviou para as Termópilas. Em Kweilin, o comando não era de Leónidas, mas de um certo Nicolau Ferreira, sobre quem pesa um denso mistério.
Assim que chegados a Kwelin, dedicaram-se os mercenários a afanosos trabalhos de engenharia: trincheiras, redutos, parapeitos, reforço de muros, encharcamento de terrenos e armadilhas ocuparam-nos durante quase três meses até que, em meados de Abril, um enorme exército inimigo se aproximou da cidade. Excessivamente confiante, o comandante manchu ordenou um ataque inopinado. Os arcabuzes e a artilharia dos portugueses causaram enormes estragos na massa da infantaria tártara, obrigando-a a recuar. Depois, durante meses, vagas de assaltos foram lançados sobre a cidade, e todas repelidas. A resistência de Kweiling arrastou-se até 1648 quando, esgotadas a pólvora e as munições e muito dizimados, os mercenários sobreviventes regressaram a Macau, furtando-se represálias.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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