terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A “IMAGEM” DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“Aqueles que procuram agradar se enganam. Para agradar, tornam-se maleáveis, apressam-se a corresponder a todos os desejos. E acabam por trair-se em todas as coisas, para ser como os desejam. Que fazer com seres que não têm ossos nem forma?”


“ O homem se descobre quando se mede com um obstáculo”.


Antoine de Saint-Exupéry



            O actual Presidente da República (PR) é dotado de um frenesim – que um dia os psicólogos hão-de explicar – que o leva diariamente a querer ser mais omnipresente que o Todo - Poderoso e a tirar “coelhos da cartola” como soi dizer-se (e o ilusionista Luís de Matos não imagina…).

            Podemos, todavia, detectar algumas “causas” que o Presidente leva aparentemente mais a sério.

            Uma delas parece ser a erradicação dos “sem - abrigo”. Não se pode dizer que a causa não seja nobre e não sabemos de nada que desminta ser uma ideia que Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) defende honestamente. Isto é, não será uma actuação demagógica como muitas outras que se topam à distância.

            Sem embargo, esta “cruzada” parece desfasada e menos própria das suas funções presidenciais: seria uma causa boa para uma sua consorte, se existisse, uma espécie de Rainha D. Amélia (de saudosa memória) republicana…

            São duas as principais razões que me levam a dizer isto: uma prende-se com o fulcro das suas funções definidas (bem ou mal) constitucionalmente (art.º 120 da CRP). O PR representa-nos como símbolo da independência, soberania nacional e da unidade do Estado – um campo em que MRS ainda não deu um ar da sua graça – é a mais alta figura do Estado – e por isso devia resguardar tal “status”, o que também não tem feito, e é o Comandante - Chefe (função simbólica, pois “de facto” não exerce qualquer “comando”) das Forças Armadas e sabe-se como estas estão nas mais penosas das situações sem que ele, até agora, lhes tenha acudido a não ser com frases de circunstância. É, ainda, garante do normal funcionamento das instituições democráticas, campo em que MRS, de facto se empenha. Pudera!

            A segunda razão tem a ver com o facto de ele, como PR, não ter autoridade nem meios – a não ser através da sua influência pessoal, ajudado pela corte de jornalistas que sempre o acompanham – para resolver o problema dos sem - abrigo. De facto, este tipo de actividades não se enquadra minimamente no que vem especificado nos artigos 133, 134, 135 e 138 da Constituição da República, que definem as suas competências.

            O Governo é o principal responsável por tal; e mesmo que o queira intentar vai ter grandes problemas em o conseguir, pois o problema dos sem - abrigo é transversal à sociedade e toca em diversos problemas de fundo, como seja o desemprego, a marginalidade, a crise da família, a adição a vícios (o principal dos quais é a droga - e nunca o ouvi condenar isso) e, até, à auto - exclusão (gente que não quer abandonar a rua) como pateticamente pôde constatar na última deambulação que fez nos recônditos da capital.

            Deixe, pois, o Governo tratar do problema mais as organizações de apoio social, onde se destacam a Igreja e as Misericórdias e trate dos assuntos para os quais foi eleito. É uma questão de (bom) senso.

            E neste âmbito – as coisas que são da sua esfera política, o Senhor Presidente tem desbaratado a sua figura – ao ponto de, um dia destes, ninguém o levar a sério, poder ouvir e, ou, ver – e pior ainda, tem estilhaçado a função presidencial. Quem vier a seguir vai ter que consertar os cacos.

            Não se engane nem fique enlevado com as sondagens que lhe dão popularidade. A psicologia das multidões vira de um dia para o outro. E é ingrata. Lembre-se do que aconteceu ao seu padrinho uma semana antes do 25 de Abril, no estádio do Sporting: teve uma ovação de pé. Uma semana depois foi o que se viu…

            Pior será quando o seu comportamento entra no campo do demagógico e “populista” – termo com que costuma mimosear os que entende serem os protagonistas dos males do mundo – isto é, quando actua para agradar e não para o que deve ser…

            E tem que resistir à tolice – infelizmente esse campo já foi invadido bastas vezes – de querer comentar tudo, ter opinião sobre tudo, pôr-se em bicos de pés a propósito seja do que for, etc. – o que pode até levar as pessoas mais ilustradas a pensarem na existência de um desvio grave do foro psíquico – meter-se no meio de todo e qualquer tipo de acidente ou catástrofe (agora menos, por ter intuído que estava a ser criticado à séria, sobre esse comportamento) passando pelas palhaçadas das “selfies”, dar à perna em concertos, etc., chegando ao cúmulo do patético e do ridículo, quando se lembrou de telefonar para uma “entertainer” televisiva a meio do seu programa.

            Para já não falar na sua afirmação, sendo um assumido católico, de ter “achado a leitura do Corão muito inspiradora”…

            A coisa começa a ser, é já preocupante.

            Eu sei que os exemplos que nos chegam de todo o mundo não são os melhores mas nós não somos obrigados a copiá-los, muito menos temos que os tentar ultrapassar pela esquerda baixa ou pela direita alta…

            Isto leva-nos, finalmente, à “Auctoritas” e à “Gravitas”.

            Estes conceitos vêm da antiga Roma, antes de esta entrar na decadência moral que a condenou a um desaparecimento miserável.

            A “auctoritas” está na origem do termo “autoridade”, ou seja, no nível de prestígio que uma pessoa tinha na sociedade romana e, consequentemente, na capacidade em obter apoio à volta de um desígnio seu.

            Politicamente ”auctoritas” estava ligada à autoridade do Senado Romano e não devia ser confundida com “potestas” ou “imperium”, ou seja o poder que era detido pelos magistrados do povo.

            Neste contexto “auctoritas” pode ser definido como o poder jurídico que autoriza um qualquer acto.

            Mais prosaicamente a “auctoritas” passa pelo respeito, importância, valor, aquele que serve de modelo; relacionado com autoridade, significa pessoa competente, com crédito, influência, prestígio, capacidade de impor e influenciar outros, graças a certa superioridade por eles reconhecida.

            Acompanha a “auctoritas”, a “gravitas”, ou seja uma das quatro virtudes apreciadas na sociedade romana (sendo as outras três a “dignitas”, a “pietas” e a “uistitia”).

            A sua tradução quer dizer literalmente “peso”, adquirindo o significado de uma personalidade ética, de seriedade e de apego à honra e ao dever.

            Esta palavra deu em português o termo “gravidade”, o mesmo que seriedade, importância. (o significado físico de atracção mútua entre corpos materiais, não se aplica neste âmbito) …

            Ao fim de dois anos de exercício do cargo pergunta-se: onde estão a “Auctoritas” e a “Gravitas” de MRS?

            Para quem é um ilustre professor de Direito a desconsideração que tem demonstrado sobre estes termos é, no mínimo, incompreensível e indesculpável.

            E duvido que vá a tempo, mesmo querendo, de as recuperar.[1][2]



João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)




[1] Este escrito já estava terminado quando se soube da visita de MRS, na sua qualidade de PR ao “Bairro da Jamaica”, depois dos lamentáveis incidentes aí ocorridos e que daí derivaram. A própria visita em si, o modo como foi feita e as pessoas com quem se juntou, foram de uma gravidade política, cívica e social, tremenda. Salvo melhor opinião, tais actos, desqualificam MRS como PR e como cidadão.
E não, nós não somos todos Jamaica!
[2] A nota “1” já estava escrita quando soubemos da aparição de MRS (na qualidade de?), no novo programa da TVI, no passado dia 7/2, cujo título envolve círculos e quadrados. Será que Goucha ficou consolado?
Entrou-se, porém, noutro nível de actuação: o de gozar à brava com o contribuinte.


Fonte: O Adamastor

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