Nos últimos dias, as direitas portuguesas andaram por anfiteatros a apresentar candidatos e a discutir, como os discípulos na última ceia, quem, de entre elas, irá ajudar o próximo governo minoritário de António Costa. Do outro lado da fronteira, as direitas espanholas desceram juntas à rua a exigirem a demissão do governo minoritário de Pedro Sanchez. Não se podia ter contraste maior.
As direitas portuguesas continuam a ser vagas. O PSD deixou o seu candidato atacar um ministro socialista, mas o presidente do partido prometeu logo “acordos” e, se necessário, auxílio parlamentar a António Costa. Na Aliança, a contradicção não precisou de dois homens, mas apenas de um: Santana Lopes jurou que “nunca” se “juntará” ao PS, mas ao mesmo tempo exigiu ao presidente da república um “pacto para o crescimento económico” – pacto que, presumivelmente, incluirá o PS. O CDS pareceu mais definitivo ao garantir que “nunca servirá para validar este governo socialista”.
Para Rui Rio, o papel histórico da direita portuguesa reduz-se a isto: permitir ao PS governar sem precisar dos votos do PCP e do BE. Mas o PS não precisou dos votos do PCP e do BE para governar durante a maior parte do tempo desde 1995. Não, o problema para as direitas não deveria ser simplesmente a influência do PCP e do BE. Esse, aliás, deveria ser sobretudo um problema do PS. Em Espanha, PP, Ciudadanos e Vox colocaram aos cidadãos a questão de outra maneira: para retirar influência aos separatistas, é preciso afastar o PSOE do poder, e não simplesmente substituir os separatistas no apoio a Sanchez. O problema das direitas deveria ser, como em Espanha, a governação socialista, na medida em que representa um projecto de poder que, com as suas bancarrotas, controleirismos, escândalos e conflitos sociais, se tornou um factor de insegurança e de incerteza incompatível com uma prosperidade duradoura.
Foi isso que ouvimos? Não. Ao PSD, ouvimos críticas a Pedro Marques. À Aliança, “propostas” sobre “seguros de saúde”. Ao CDS, a defesa da soberania fiscal. Mas não ouvimos, de nenhum deles, a urgência de pôr termo a uma governação que, depois dos devaneios iniciais da Terceira Via, há muito que não é mais do que o esforço de uma clique para dominar o Estado e a sociedade, com as mais nefastas consequências: foi assim que se destruiu uma parte da banca e algumas grandes empresas, e foi assim que se reduziu a nossa participação no euro, inicialmente concebida como um factor de adaptação da economia, a um simples meio de endividamento.
As direitas têm agora o hábito de atacar as “esquerdas” ou a “frente de esquerda”. É um tiro ao lado. O problema não são as “esquerdas” e a sua “frente”, mas este PS, esteja ou não unido às outras esquerdas. Porque é que as direitas portuguesas não são capazes de dizer isso, como as direitas em Espanha? Porque em Espanha está em causa a integridade do Estado? Mas um Estado mantido artificialmente pelo BCE e ameaçado de partilha regionalista, como em Portugal, não é menos alarmante. A dificuldade aqui é que todos os partidos vão às eleições deste ano a pensar no xadrez parlamentar com mais um governo minoritário do PS, e querem ressalvar as vantagens que podem tirar da situação – uns colaborando com o governo, outros opondo-se, e outros ainda fazendo as duas coisas. Ninguém parece ter cabeça para mais nada.
Desse ponto de vista, e já que todos nos dão como condenados a este governo socialista, quase só parece restar um meio de desanuviar a política portuguesa: uma maioria absoluta que concentrasse toda a responsabilidade no PS, para que não houvesse mais desculpas nem equívocos, e que obrigasse os outros partidos, sem a esperança de negócios parlamentares, a proporem finalmente alternativas a um arranjo de poder cuja agonia já se prolonga há demasiado tempo.
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