Foi inaugurada na semana passada a exposição D. Maria II: de princesa brasileira a rainha de Portugal, uma cooperação entre o Palácio Nacional da Ajuda e o Museu da Presidência da República, patente até 29 de Setembro.
A exposição, montada na galeria D. Luís I no Palácio da Ajuda, divide-se em 14 núcleos, numa viagem que nos mostra o lado intimista, privado, mas também o lado político e activo da monarca que faz a passagem entre os mundos do Absolutismo e Constitucionalismo; dos continentes Novo ao Velho.
Os símbolos de um Portugal quase distante, mas distinto, recebem-nos: a coroa real, sólida, majestática, relembra-nos o voto de D. João IV a Nossa Senhora, que se tornou a Eterna Rainha de Portugal, daí nenhum rei ser representado coroado a partir de 1646. Isso é verificável nos inúmeros retratos reais que se encontram na exposição, desde D. João IV, avô paterno de D. Maria II, até Às pinturas que retratam a monarca constitucional.
Prossegue-se o percurso percebendo o mundo tropical do Rio de Janeiro nas imagens referentes aos dias da corte portuguesa, saída para o novo continente em 1807 e tornando, pela única vez na História, uma colónia capital do Reino.
Em menos de 7 anos, entre 1815 e 1822, D. Maria II viu o mundo mudar radicalmente: o Brasil passa a Reino, depois torna-se independente e vira um Império atlântico; Portugal começa a sua transformação revolucionária, que confrontará dois irmãos, seu pai e seu tio e dividirá todo um país, entre os tradicionalistas absolutistas e os liberais constitucionais.
D. Maria II ainda passa um ano exilada em Inglaterra, onde conhece a futura Rainha Vitória, com quem estabelece uma amizade terna até ao fim da vida. Este é um momento curioso da exposição, com caricaturas coloridas de William Heath, a descrição da recepção à jovem rainha em Windsor ou o estandarte liberal, bordado pela própria em Inglaterra e dado ao batalhão de Caçadores nº 5 que guiara o levantamento da ilha Terceira à Carta Constitucional. Na obra que Almeida Garrett lhe dedica, Da Educação (1829), o autor deixa um conselho moderno à jovem de 15 anos, que terá de enfrentar um mundo político novo e mostrar um caminho nunca antes traçado a homens bem mais velhos e experientes do que ela: “uma princesa que tem de reinar por si e por seu próprio direito, é fêmea de facto e varão de direito e a educação tem, neste caso, de contrastar a natureza, e diminuir quanto é possível a mulher, para que só fique a rainha”.
Outro dos núcleos mais intimistas é o respeitante aos 3 maridos da jovem monarca: o tio D. Miguel, o irmão da madrasta, D. Augusto de Leuchtenberg e, finalmente, o grande amor da sua vida, D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, de quem terá 11 filhos.
Talvez a parte mais desconhecida daquela que ficou cognominada de “A Educadora” seja a da sua relação com as artes, aqui bem patenteada pela alegoria de António Manuel da Fonseca sobre Erato - o Génio das Artes, segurando um medalhão com as efígies dos soberanos. Igualmente vemos testemunhos da admiração de outros famosos nomes ao casal régio, como atestam a marcha húngara, composta, dedicada e tocada em Janeiro de 1845 por Franz Liszt a D. Fernando II, ou a ópera D. Sebastião, composta por Gaetano Donizetti e dedicada a D. Maria II. Como aprendemos na exposição, teve uma infância atribulada e sentiu falta de uma formação mais sólida, daí que uma das suas principais preocupações tenha sido a educação. Os seus esforços para a criação das escolas primárias e liceus, assim como escolas médicas, academias, Instituto Agrícola ou o Conservatório de Música ajudaram a melhorar a escolaridade de um povo maioritariamente analfabeto. Outras reformas, que se iniciaram por sua vontade, sob uma faceta mais industrializada, acabaram por se finalizar nos reinados dos seus dois filhos, D. Pedro V e D. Luís I.
Após um pequeno gosto feito à nossa curiosidade com algumas jóias da rainha e segundo um esforço de investigação notável e rigor na concretização, acaba-se a exposição com o quarto que ocupou no Palácio das Necessidades. Aí compreendemos o espírito romântico da época, em meio a peças que a rainha juntou das suas viagens, os retratos de familiares ou o toucador onde fazia a sua toilette, não podendo ser mais íntimo e acolhedor na despedida.
Por fim, o catálogo. Um extraordinário testemunho desta excelente exposição, com textos cheios de surpresas e mistérios desvendados por cada peça que, momentos antes, nos havia deslumbrado, sobre a vida daquela que foi a última mulher a ocupar o cargo de Chefe de Estado em Portugal.
Legendas das fotografias:
Fig. 1 – Retrato da rainha D. Maria II por John Simpson, 1837.
Fig. 2 – Reconstrução do quarto da rainha no palácio das Necessidades.
Aline Gallasch Hall de Beuvink,
Presidente do Núcleo da Costa do Estoril da Real Associação de Lisboa
Fonte: Real Associação de Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário