No mesmo dia [19 de Junho], ano de 1580, foi aclamado Rei (por seu mal) o Senhor Dom António, Prior do Crato, filho natural do Infante Dom Luís. Saiu na manhã deste dia da Vila de Santarém, onde então estava, com o pretexto de lançar a primeira pedra numa Fortaleza que intentava levantar (segundo dizia) para defesa da mesma Vila. Concorreu a maior parte do povo e alguns nobres a esta cerimónia, e como o ponto da sucessão do Reino andava então no seu maior fervor, e era motivo de perpétuas contendas e debates, e como o Exército de Castela já havia entrado em Portugal, começou a romper uma voz entre aquela multidão de que só convinha para a liberdade do Reino que aquele Príncipe, ramo nascido da Árvore Real Portuguesa, fosse aclamado Rei: uns repugnavam, outros consentiam, muitos passaram das vozes às armas, e finalmente, prevalecendo os da sua facção, o fizeram pôr a cavalo, e sucedeu que ao subir nele, esteve em pontos de dar uma perigosa queda, triste presságio em tal ocasião: Posto a cavalo, discorreu pelas ruas da Vila, precedendo os nobres que ali se achavam, a pé e descobertos, como é estilo nas Coroações dos Reis, repetindo-se aquelas vozes, que também nas mesmas Coroações se costumam dizer: Real, Real, Etc. Pouco depois entrou em Lisboa, onde também foi aclamado, mas só pelo povo, cuja variedade e inconstância, lhe fez conhecer depois que nada vale aquele corpo, se o não anima o espírito da nobreza.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744
Fonte: Veritatis
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