quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Hong Kong: sentenças “chinesas” e prisões políticas

 



Uma série de infaustas medidas judiciais em Hong Kong deixa claro como é o ar na ex-colónia britânica: agora, faz parte da República Popular da China não apenas no nome, mas também de facto.    

A 27 de Julho, foi condenado o primeiro homem de acordo com a nova Lei de Segurança Nacional. Três dias depois, foi definida a pena: 9 anos de prisão. Chama-se Tong Ying-kit, 24 anos, é empregado de mesa de profissão. Participou nas manifestações contra a nova lei imposta pelas autoridades de Pequim, a 1 de Julho, levando uma bandeira independentista com as palavras “Hong Kong livre! A revolução dos nossos tempos!”. Durante a manifestação, parado pela polícia, tentou atropelar os agentes com a sua motorizada antes de ser preso. A sentença poderia ter sido de administração ordinária, por resistência a um funcionário público e agressão à polícia. Mas é a frase que faz a diferença, porque, acima de tudo, está na mira a sua bandeira. Segundo os três juízes do tribunal colectivo, «mostra palavras capazes de instigar outros a praticar actos de secessão». No entanto, os magistrados não seguiram o pedido do Ministério Público, que pressionava pela aplicação da lei da República Popular, mas também com base nas novas regras de Hong Kong, condenaram Tong Ying-kit a 9 anos de prisão. O advogado recorreu e iniciar-se-á um processo de apelação.

Se a sentença fosse confirmada, criaria um grave precedente. Trata-se de um caso borderline, também aceitável por uma opinião pública livre, como a de Hong Kong: há instigação à secessão, mas também a violência contra a polícia; o acusado foi condenado, mas sem seguir a linha “dura” de quem pede para fazer como na China. Todavia, corre o risco de abrir um precedente muito perigoso. Mesmo uma pessoa muito mais pacífica, se acusada de ter recitado, escrito ou mostrado slogans insurrecionais (que contenham, mesmo que indirectamente, conceitos como a secessão), poderia ser condenada.          

Os efeitos não tardam a chegar. A polícia de Hong Kong, a 30 de Julho, prendeu um homem de 40 anos sob suspeita de ter assobiado contra o hino nacional chinês enquanto assistia às Olimpíadas. Não foi denunciado na hora, mas alguém viu e enviou o vídeo. A polícia recebeu diversas denúncias desse género. Numa delas, fala-se de pessoas que, num centro comercial, assobiam e gritam slogans anticomunistas durante o hino chinês, noutra, um homem agita a bandeira da época colonial durante a cerimónia de início das Olimpíadas. A polícia, portanto, fez apenas uma prisão, de um homem identificado, mas é possível que se sigam muitas outras nos próximos dias.

Por último, mas não menos importante, as autoridades também prenderam, a 2 de Agosto, Anthony Wong Yiu-ming, cantor conhecido em Hong Kong, por cantar durante a campanha eleitoral de um candidato democrático nas eleições para o Conselho Legislativo de 2018. A acusação é de “corrupção”. Mas não no sentido que todos poderíamos imaginar: por “corrupção” entende-se realizar apresentações artísticas ou oferecer refrescos às pessoas para induzi-las a votar num candidato. Trata-se de um regulamento de origem britânica que quase nunca é aplicado à letra, mas que as actuais autoridades, pró-Pequim, decidiram aplicar à risca. Assim, a Comissão Independente contra a Corrupção (instituída, precisamente, pelo governo britânico, na década de 1970) considerou Anthony Wong culpado de ter cantado duas canções. Já está em liberdade sob fiança, mas o sinal é claro. E já existe um precedente: Benny Tai, docente de Direito e líder do movimento democrático, foi acusado, pela Comissão, de ter comprado, em 2016, cartazes eleitorais para um candidato, porque só quem é candidato pode gastar dinheiro com a sua própria campanha. 

A natureza das acusações é reveladora. Trata-se, com toda a evidência, de pretextos para fazer prisões políticas. O quadro que emerge é claro: quem recita ou mostra slogans pela liberdade, quem assobia durante o hino chinês, quem canta para um candidato democrático ou compra cartazes eleitorais, acaba na mira da magistratura, cada vez mais alinhada aos desejos de Pequim. Quando cantava no evento eleitoral de 2018, Wong vestia a camisola que dizia “Abaixo o Grande Irmão”. E o Grande Irmão não perdoa.       

Stefano Magni


Fonte: Dies Irae

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