domingo, 31 de julho de 2022

O que o vento levou do Vaticano

 


Sob este título, foi publicado, em Itália, durante o último período de João Paulo II, um livro que denunciava as diferentes derivas observadas dentro da Cúria Romana desde o pontificado de Pio XII (Via col vento in Vaticano, Kaos edizioni, 1999). Embora haja múltiplos exemplos de peripécias análogas desde os tempos bíblicos, as complexidades da nossa época parecem assumir carácteres particularmente escandalosos.          
 
A maior parte dos autores desta obra colectiva, altos funcionários da Santa Sé, permaneceram anónimos e o texto original esgotou nas livrarias, sendo rapidamente traduzido para inglês (Shroud of Secrecy: The Story of Corruption within the Vatican, Key Porter Books, 2000), francês (Le Vatican mis à nu, Robert Laffont, 2000) e espanhol (El Vaticano contra Dios, Zeta Actualidad, 2005).

Como está actualmente disponível na internet, centrar-me-ei aqui em três aspectos que se destacam no meio de uma bruma geral pouco edificante e que são de indubitável interesse para os católicos no século XXI: as origens de Paulo VI no governo eclesiástico, a revolução litúrgica e a infiltração da maçonaria na cúpula da Igreja pós-conciliar.            

A peculiar carreira de são (?) João Baptista Montini já foi recontada noutras ocasiões. Neste caso, faz-se de forma meridiana. Após a morte do Cardeal Maglione, em 1944, ficou o jovem substituto lombardo à frente da Secretaria de Estado de Pio XII. Mas não sabia que o Coronel Arnould o observava secretamente, para poder informar mensalmente o pontífice das suas actividades.    

Em Agosto de 1954, descobriu que Montini mantinha relações secretas com membros do Partido Comunista da União Soviética que perseguiam bispos, sacerdotes e fiéis católicos na clandestinidade, a fim de os poder eliminar aos milhares. Como se isso fosse pouco, o futuro Paulo VI ocultava ao então papa o cisma dos bispos chineses.                             

Para puni-lo pelas suas intrigas, Pio XII expulsou-o de Roma, nomeando-o Arcebispo de Milão (promoveatur ut amoveatur), onde o manteve até à sua morte sem o fazer cardeal. Apenas algumas semanas depois de João XXIII subir ao sólio, Montini recebeu a púrpura, abrindo-se para ele grandes possibilidades face ao próximo conclave. Para não perder as suas hipóteses, teve de eliminar alguns documentos acusatórios... Mas deixamos o leitor em suspense para que possa consultar o final da história.

No que diz respeito à questão litúrgica, não se pode dizer que esta seja, estritamente falando, uma obra do sector que se veio a chamar “tradicionalista”. No entanto, os termos que utiliza para qualificar a reforma levada a cabo por Paulo VI não poderiam ser mais severos: «Como resultado desta reforma, houve uma viragem de cento e oitenta graus. O homem tornou-se o actor principal, um cenógrafo que manipula a liturgia para a fazer entrar no nosso jogo, um pouco como se se tratasse de uma reunião ou um acontecimento. Subvertida desta forma, a liturgia reduz-se a um conjunto de preocupações pedagógicas e humanitárias de catequistas. Converteu-se numa escola de charlatanice.    

Despida, nua, violada, coberta apenas por uma folha de figueira, a nova liturgia assim transformada fica à mercê dos abusos de poder do primeiro violador que apareça. Outrora guardiã das verdades eternas, e portanto rica em arte e pensamento, hoje oferece-se às manipulações de cerimoniários caprichosos.  

Nunca na história das religiões, incluindo as primitivas, se viu um povo que tenha sido mais despojado das suas tradições religiosas seculares mediante um golpe de relâmpago como ocorreu na Igreja Católica latina com a sua antiga liturgia, a verdadeira liturgia, procedente do velho filão latino elegíaco confirmado pelo canto gregoriano, substituído por um monte de composições desprovidas de qualquer sentido lírico e estético, por pequenas poesias pobres em conteúdo teológico e sem força descritiva, pálidas, sem a menor vivacidade ou relevo literário. Conceptualmente, o conteúdo é medíocre, quase primitivo, sem força, ideal ou verdade, sem arte poética ou musical
».   

Terminamos com a análise sobre a maçonaria. Apenas chegado a Milão, em 1954, o futuro são (?) Paulo VI nomeou como assessor financeiro o maçónico Michele Sindona, que levaria para Roma ao ser coroado Papa, juntamente com os também maçónicos Roberto Calvi, Licio Gelli e Umberto Ortolani, todos da loja P2, conhecida em Inglaterra como “a loja eclesiástica”.          

Outros dois personagens vinculados à maçonaria mencionadas no livro são Anibale Bugnini, autor da reforma litúrgica paulina, a quem o Grande Oriente de Itália fazia substanciais transferências bancárias mensais; até que, em 1975, ambos foram publicamente descobertos pela imprensa e o eclesiástico foi rapidamente enviado como núncio apostólico para o Irão.

E, finalmente, o Cardeal Baggio, nada menos que Prefeito da Sagrada Congregação para os Bispos e um dos três concorrentes nos conclaves seguintes (que elegeram Luciani e Wojtyła), juntamente com o progressista Benelli e o conservador Siri. Estes dois são frequentemente citados, mas esquece-se comummente o primeiro.                                              

Miguel Toledano

Fonte: Dies Irae

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