NOTA: Em Setembro de 2005 foi publicado, na imprensa (semanário Expresso) o artigo junto que versa o tema incêndios.
O artigo tinha sido enviado um ano antes e foi publicado sem qualquer emenda.
Passado novo ano republica-se sem que outra emenda haja.
Apesar de mais uma campanha contra os fogos e de muita peripécia e milhões de euros gastos, não se pode afirmar que o resultado da campanha tenha sido melhor que as anteriores.
Continua-se a actuar sobretudo sobre os efeitos e não sobre causas. Do que está proposto no artigo verificarão os leitores que pouco ou nada se fez. Ressalva-se o facto da criação do Grupo de Intervenção Protecção e Socorro, na GNR, apesar de não fazer parte das suas competências. Tem dado boa conta de si. Como o governo não consegue meter os bombeiros e guardas florestais na ordem, foi a solução de recurso que engendrou. E só o fez – é bom que se lembre -, por via do estatuto militar da Guarda.
Arriscamo-nos assim, a melhorar o combate aos incêndios florestais, apenas quando já não houver mais nada para arder...
O “NEGÓCIO” DOS INCÊNDIOS
“Digo-vos – pois estes calam e nenhum não fala – que quero eu falar por mim e por eles”
Um escudeiro a Gonçalves Vasques
Crónica de D. João I, por Fernão Lopes.
Se a quantidade de água lançada sobre os fogos fosse equivalente à torrente de palavras, artigos, entrevistas e acções mediáticas que sobre a temática em questão já foram ditas, escritas e efectuadas, certamente que viveríamos sem labaredas na próxima década. O problema é que às palavras da boca para fora não se seguem as acções adequadas.
Com isto dito pareceria sensato abster - me de verter no papel uma qualquer outra verborreia. E no entanto é isso o que fazemos. A razão é simples: pensamos que apesar de tudo o que tem sido dito, 90% aplica-se a efeitos e não a causas e por isso não há soluções que resultem.
E, demos conta, que no fim de três décadas em que passou a haver incêndios a eito (eis a primeira reflexão a ter em conta!), só o ano passado houve a coragem de pôr o dedo nalgumas feridas.
Devemos começar por referir algumas evidências:
Desde sempre que houve florestas; desde sempre que houve pessoas – e o seu grau de educação sempre tem evoluído; sempre houve pirómanos e desequilibrados; sempre houve calor e outros fenómenos meteorológicos propiciadores a fogos; as preocupações com o ambiente têm aumentado (e bem) exponencialmente; os meios tecnológicos à disposição são cada vez mais e melhores, etc., tem havido tudo isto, mas o número de incêndios florestais (é desses que estamos a tratar), não cessa de aumentar!
Outra constatação é que se trata de um fenómeno complexo e interdisciplinar (e por isso interministerial) e é tendo isto em conta que deve ser tratado. Aparentemente as investigações feitas a nível da Polícia Judiciária, não revelaram até agora nenhuma teia de nexos. Provavelmente a razão está no que dissemos atrás: não haverá apenas uma “teia”, mas várias...
Julgamos que a principal razão que leva a este aumento de fogos, cuja esmagadora maioria vem a público como tendo origem criminosa – embora sempre difusa – tem a ver com “negócios” a que se convencionou chamar “o negócio do fogo”, ou “a indústria do fogo”. Ou seja, quanto mais dinheiro o governo anunciar que vai injectar no combate aos fogos, mais fogos irá haver...
Sem querermos referir dados concretos iremos dissertar sobre algumas áreas onde o “negócio” do fogo pode ter lugar e noutras onde o “combate” não se está a fazer com a desejada eficácia. O assunto é melindroso, mas tem de ser tratado. Não se pretende lançar acusações ou generalizar, mas é preciso “podar os ramos podres” para não matar a árvore. A pergunta tem que ser posta e é esta: a quem interessará o fogo?
Eis algumas hipóteses sem preocupação de hierarquia:
- Ao “negócio” da compra e venda da madeira; a madeira queimada é mais barata, dá lucros a curto prazo, mas é suicidária a longo prazo;
- Às celulosas, no sentido em que poderão querer promover a substituição do coberto vegetal por outro de crescimento mais rápido e melhor para o negócio do papel;
- À especulação imobiliária, no sentido de favorecer o “negócio” da compra e venda de propriedades;
- Ao “negócio” da caça privada versus caça pública, atente-se às polémicas havidas;
- Ao “negócio” das indústrias relacionadas com o combate a fogos, viaturas, equipamentos diversos, extintores, compostos químicos, etc., alguns dos quais estão relacionados com elementos da própria estrutura de comando de bombeiros (como chegou a vir a público no ano transacto);
- Ao “negócio” dos meios aéreos para combate a incêndios. Este negócio disparou nos últimos anos. Até ao governo do Engenheiro Guterres a maioria dos meios aéreos envolvidos pertencia à Força Aérea (FA), que tinha gasto nos anos 80, cerca de 200.000 contos em equipamentos.
Nessa altura, cremos que em 1997, o Secretário de Estado Armando Vara entendeu (vá-se lá saber porquê!)1, que não competia à FA intervir nos incêndios mas sim que deveriam ser contratadas empresas civis. Compreende-se mal esta atitude a não ser pela sanha existente por parte da maioria dos políticos em menorizar os militares e as Forças Armadas. Certo é, também, que a FA não paga comissões.
No meio disto tudo – o que acresce à complexidade -, há um sem número de hipóteses de mão criminosa que passa por vinganças pessoais; as consequências da última lei sobre baldios; queimadas mal feitas ou ilegais; pirómanos (e alguns irão porventura parar aos bombeiros), questões derivadas de heranças e os eternos descuidos e negligências.
Os investigadores têm, como podem os leitores aperceber-se, muito por onde se entreter...
No campo da prevenção e combate tem reinado a confusão, o “complexo de quinta” e a inadequação.
Nesta última encontram-se as leis e o processo de as aplicar e julgar. Falar sobre isto exigiria um tratado. Em síntese, as competências entre Ministério Público, Tribunais e Polícias tem provado nas últimas décadas ser de uma grande ineficiência e fonte de problemas; o Código Penal e o Código de Processo Penal favorecem os criminosos, castigam o cidadão honesto e prejudicam o trabalho da polícia e, a montante de tudo isto e envolvendo-o como um espartilho, existe uma contumaz subversão da autoridade.
Ora urge fazer leis que ponham regras à venda de madeira queimada; no plantio de coberto vegetal; à obrigatoriedade da limpeza das matas e abertura de aceiros; à proibição de qualquer tipo de construção em área ardida durante “x” anos; à equidade na distribuição de terrenos destinados à caça e mais um sem número de coisas relacionadas com esta questão. E, claro, é necessário expeditar a constituição e resolução de processos e julgar e penalizar todo o indivíduo ou organização que tenha cometido um ilícito. E de não os soltar logo a seguir.
A estrutura da protecção civil que coordena o combate aos incêndios prima sobretudo pela falta de clareza. Isto é, não estão devidamente atribuídas responsabilidades de comando de que resulta uma evidente dificuldade na atribuição de meios e prioridades e no apuramento de responsabilidades. Para melhorar esta área torna-se necessário combater o “complexo de quinta” (muito arreigado!) e arranjar uma estrutura com comando centralizado e execução descentralizada; estabelecimento eventual de níveis diferenciados de decisão e linhas claras de autoridade. O afastamento dos militares de toda esta estrutura foi um erro crasso que após a "débacle" do ano de 2003, já foi parcialmente corrigido.
Temos a seguir o problema dos bombeiros. Os bombeiros sendo os “soldados da paz” (parece que só se pode criticar os soldados da “guerra”...), pelos serviços prestados e pela maioria ser voluntária goza de natural prestígio em toda a população. E têm estado até há pouco acima de qualquer crítica. Ora ninguém nem nenhuma corporação deve estar acima de qualquer crítica. O Estado tem-se valido do elevado número de corporações voluntárias para poupar nos sapadores, profissionais. Ora as exigências da sociedade actual não se compadecem com este estado de coisas. Acresce que qualquer pessoa pode ser “comandante” de um quartel de bombeiros voluntários e que a instrução e disponibilidade deixam muito a desejar. Basta aliás olhar para o fardamento e atavio para se duvidar da operacionalidade existente. Há pois que impôr alguma ordem neste estado de coisas.
Finalmente os meios aéreos. Somos de opinião que os meios de combate a incêndios devem estar na FA. Só quando estes forem insuficientes se devem alugar outros. Haverá apenas que compatibilizar as exigências e sazonabilidade desses meios com as condicionantes operacionais e de dispositivo militar. Mas isso não parece ser obstáculo intransponível. Acordos de cooperação entre países amigos poderão e deverão ser feitos para optimizar os recursos.
Os incêndios são a todos os títulos uma calamidade para Portugal que se repetem numa cadência previsível.
Por isso não se entende o descaso, a incompetência e a falta de vontade política que os sucessivos governos têm demonstrado face a tão gravosa situação. Parece que criámos um sistema político e uma sociedade que convive com todos os problemas e tolera todos os vícios. E não resolve nenhum.
João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador (Ref.)
Fonte: O Adamastor
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