“Os Homens costumam ser os carpinteiros de suas próprias cruzes”.
São Felipe Néri (1515-1595)
“O Apóstolo de Roma” ou “O Santo da Alegria”.
Convém começar por definir Pedofilia, (“Paedophilia erótica”): é a atracção ou prática sexual de um adulto (nalguns casos um adolescente) por quem ainda não atingiu a puberdade, ou está na fase inicial da mesma. É considerada uma doença, uma desordem mental e de personalidade, um transtorno psiquiátrico, um desvio sexual, uma perversão. Pedofilia não é considerada uma orientação sexual. As suas causas são desconhecidas, sem embargo dos estudos já feitos neste âmbito. Os pedófilos (homens ou mulheres) podem ter atracção por crianças do mesmo sexo ou sexo diferente.
A Puberdade é o período de transição da infância para a fase adulta, e que tem início diferente entre rapazes e raparigas. As meninas entre os oito e 13 anos e os meninos entre os nove e 14 anos. É um período de desenvolvimento diferenciado de indivíduo para indivíduo, onde se dão modificações físicas no corpo e na mente; crescimento rápido e aparecimento dos chamados caracteres sexuais secundários, como os pêlos púbicos; barba; odor nas axilas; maior oleosidade na pele e aumento dos seios nas moças e dos testículos nos moços. O que marca fundamentalmente a puberdade é a primeira ejaculação e o aparecimento da menstruação, ou seja, o que define a capacidade reprodutora. Existem casos precoces e tardios.
Daí que em tempos mais recuados, membros das famílias reais, quando se enlaçavam por razões de Estado, com moças no fim da puberdade, tinham que esperar que tal ocorresse para poderem casar ou consumar o casamento. Estou assim de repente a lembrar-me dos casos do nosso Rei D. Dinis, que casou com Isabel de Aragão – que veio a ser canonizada – e do Príncipe D. João (que veio a ser o VI deste nome), com a infanta D. Carlota Joaquina.
As relações sexuais, na adolescência e respectiva união, têm pois a ver com a matriz cultural dos povos e respectiva educação. Vide o caso dos ciganos, da maioria dos muçulmanos e de muitas tribos africanas.
O fim da puberdade só se verifica cerca dos 18 anos (daí a maioridade ser dada nesta altura), que é quando se dá o fim do crescimento esquelético e fica completo o amadurecimento do sistema reprodutor masculino e feminino.
Porque é que a Pedofilia é crime? Pois por se considerar que as crianças pré púberes ainda não têm o corpo de mulher ou de homem (em termos físicos e mentais), que permitam o natural relacionamento sexual (ter capacidade para gerar filhos).
Deste modo o Código Penal considera crime a relação sexual ou acto libidinoso, praticado por adultos com criança ou adolescente menor de 14 anos (incluindo posse de fotos ou filmes com sexo explicito ou pornografia envolvendo criança ou adolescente).
Desta idade para a frente entramos noutro âmbito que é o da licitude das relações sexuais entre menores ou entre menores e maiores.
Cada país regula de modo diferente a relação sexual entre adultos e adolescentes, o que tem a ver com a idade do “consentimento”. Em Portugal está fixada nos 14 anos, mas em Espanha é 12 e na Noruega 18, por exemplo.
A Pedofilia é pois uma tara transversal à sociedade e, por isso, passível de ser extensível à Instituição Igreja Católica, como a todas as restantes “Igrejas”. Embora existam já correntes (muito “progressistas”), que a queiram descriminalizar e, até, tornar “normal” a sua prática.
A razão é simples: o ser que é comum e está na base de tudo chama-se “homem”, com os seus defeitos e virtudes. E, por isso, a tara, ou vício, deve ser combatida em todas as vertentes humanas. Embora, convenha recordar, que o fenómeno se agravou (apesar de já existir desde a Antiguidade) após a licenciosidade espoletada pelo Maio de 68, em França, o movimento “hippie”, nos EUA e vários “ismos” que engordaram desde essa altura e se propagaram a Portugal, sobretudo depois do 25 de Abril de 74, ter destruído as “comportas”, que os mantinham afastados.
Onde está então o busílis da questão no seio da Igreja, quando a pedofilia é considerado crime em quase todo o Orbe? Pois no facto de ser uma instituição única, hierarquizada, que tem como missão principal pregar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, cujos membros são sujeitos (ou deviam ser) a um alto grau de preparação e selecção – que fazem inclusive e voluntariamente, voto de castidade, obediência e (alguns) pobreza, para a vida – que pregam (e bem) altos padrões éticos e morais, combatem o “pecado”, o Mal, face ao Bem e orientam a vida dos crentes desde que estes nascem até que morrem.
Ora quem vai para “ministro” de uma confissão destas tem que não só estar bem preparado, como viver segundo as exigências do ministério e dar o exemplo. E não pode admitir que o seu parceiro do lado incorra nestas falhas graves e grosseiras. Não é fácil, mas é indispensável. E quem não se portar assim, deve sofrer sanções pesadas e, no limite, ser expulso da Instituição. E todos os membros da Igreja têm de ter a noção que uma falta praticada por um dos seus actores vai repercutir – como acontece também na Instituição Militar – sobre todos os outros. Por mais injusto que isso possa ser.
A Igreja universal e também a portuguesa – que sendo universal, não deixa de ser nacional – irá, certamente, sobreviver a mais este escândalo, mas as marcas ficarão. E já começou a tomar medidas para que eventuais casos futuros sejam evitados e combatidos; esclarecer casos pendentes e suas causas e apoiar as vítimas no que for possível e seja da sua responsabilidade. Se vai chegar ou não é o que resta ver.
Os poderes públicos e o resto da sociedade também terão que reconhecer esse esforço. Esforço que ainda mais nenhuma instituição, empresa ou órgão do Estado, fez.
É neste âmbito que foi constituída, a instâncias e sob a supervisão (chamemos-lhe assim) da Conferência Episcopal, por decisão de Novembro de 2021, sob a batuta do seu presidente, o Senhor Bispo D. José Ornelas – ao que consta, um homem da confiança de Sua Santidade o Papa – uma “Comissão Independente para o Estudo de abusos Sexuais na Igreja Católica”, constituída por seis elementos, cabendo ao Dr. Pedro Strecht, “coordená-la”.
Foi uma comissão muito elogiada e na apresentação dos seus membros pode ler-se coisas como, Pedro Strecht, pedopsiquiatra e professor do ensino secundário e universitário, etc; Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, etc; Daniel Sampaio, médico psiquiatra, professor catedrático de Psiquiatria e Saúde mental, etc; Álvaro Laborinho Lúcio, Juiz Conselheiro e Escritor, Doutor “Honoris Causa” pela Universidade do Minho, etc; Filipa Tavares, Assistente Social, com formação em Terapia Familiar, etc; Catarina Vasconcelos, Realizadora e Designer, licenciada pela Faculdade de Belas Artes, etc.
A comissão iniciou os seus trabalhos e apresentou os resultados dentro do prazo, algo de muito louvar.
Parece que em vez de entregar as suas conclusões à Conferência Episcopal – para quem supostamente trabalhava – resolveu apresentar os resultados no palco da Gulbenkian, tendo o mau gosto – chamemos-lhe assim – de lançar para o éter, sem qualquer escrúpulo ou filtro, declarações de testemunhas de fundo algo “pornográfico”.
Apetece-me dizer, porém, que a montanha quase que pariu um rato (face ás expectativas criadas e circo mediático montado), dado que o resultado final – e não se pode alegar qualquer entrave ou falta de liberdade à acção da Comissão – se resumiu a enviar para o Ministério Público 25 casos ditos comprovados de abusos sexuais (sendo que dez foram logo arquivados), os quais só se transformam em efectivos após o trânsito em julgado.
O que aconteceu depois de a Comissão ter validado 512 denúncias; entrevistado 34 vítimas; recebido nove testemunhos por escrito, de pessoas abusadas; constatado nos arquivos de 20 congregações religiosas, mais oito casos e tido conhecimento pela imprensa, de mais 19 casos. O que dá um total de 70 possíveis vítimas. A isto deve acrescentar-se que a Comissão terá recebido também cerca de 500 formulários anónimos, o que à partida, não podem ser considerados como aceitáveis.
Não estou a tirar importância ao número, mas também não vou embarcar na frase estafada de que um, já seria demais…
Por artes mágicas a que se pretende dar um fundo matemático, a Comissão, sem explicar lá muito bem que contas é que fez, extrapolou que, face aos resultados (ditos parciais) obtidos, o número total de casos poderia chegar a 4817! Isto para um período de 72 anos. Uma tal precisão é de assombrar, podendo ao menos terem usado da prudência de dar uma estimativa, sei lá, entre 4 e 5000…
A Comissão também não fez distinção entre as crianças e adolescentes, que foram abusados, já que não é a mesma coisa – como apontámos no início – nomeadamente em termos de autodeterminação. E são especialistas que o dizem, não sou eu.
No meio de tudo isto o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, na sua qualidade de Presidente da República, proferiu mais uma série de distintos disparates, por via de não se coibir de dar à língua, sem ao menos pensar no que diz. Quero lembrar a S. Excelência que uma parte dos portugueses que se deram à inclinação e trabalho de o eleger foi para garantir que a Constituição da República fosse cumprida (apesar de carecer de vasta revisão) e nos representasse a todos e não para nos envergonhar cada vez mais frequentemente. O que também pode ser conseguido (e com vantagem) sem ter de abrir a boca.
Mas atentemos ainda noutra coisa assaz curiosa. De todo o curriculum apresentado, dos seis elementos (três homens e três mulheres – quero eu supor) está ausente a referência a que dois (elementos) são judeus, um do “ramo” sefardita e outro do “ramo” asquenaze; três são marxistas, sendo que um bebe da marca Trotsky e outros dois pertencerão à Maçonaria.
Não se sabe também se são religiosos, ateus ou agnósticos.
Ora a questão que se pode colocar é esta: como é que uma comissão cujos membros pertencem a três “comunidades”, a saber a “Judaica”, a Maçonaria (sobretudo a “Francesa”) e o Comunismo (que é um expoente do Marxismo), que se têm revelado ao longo dos séculos, arqui-inimigas da Igreja Católica e não raras vezes a quiseram destruir (o contrário também pode ser alegado, embora há muito que tal não se possa colocar nesses termos) podem, ou devem, ser membros de uma comissão com o rótulo de “independente” (deixo aos leitores tentarem discernir quem é quem)? Eu quero crer que as pessoas apontadas, cuja respeitabilidade não está posta em causa, tenham a honestidade para pautar a sua atitude por critérios de objectividade e isenção, mas que tudo isto pode deixar dúvidas no ar, pode.
Pois saber as crenças ou actividades das pessoas é de suma importância para avaliar o seu desempenho e modo de ser (o que teria sido menorizado se tivesse havido “declaração de interesses”) sem embargo de tal poder ou não, “a priori”, ser factor de exclusão ou inclusão.
A própria Conferência Episcopal também parece ter usado de pouca prudência (por não saber ao que anda?) – recorde-se a resposta do Bispo D. Américo Aguiar, ligado à organização da próxima Jornada Mundial da Juventude, numa recente entrevista, a uma pergunta da jornalista que envolvia a Maçonaria, em que ele afirmou “não saber o que isso era”… Ou então a própria Conferência Episcopal, fê-lo deliberadamente para poder afirmar que não haveria comissão mais “independente”. O que é no mínimo arriscado.
Uma última consideração tem a ver com as causas principais de todo este imbróglio. Parece-nos que o fulcro do problema está na actuação da hierarquia da Igreja, nomeadamente em não extirpar uma espécie de “lobby gay” que se instalou no seu interior e aparenta ter ramificações, ou até o próprio núcleo duro, na Santa Sé. E não ter medo da chantagem que passou a existir um pouco por todo o lado.
E tudo está ligado ao exercício da autoridade e da disciplina. Os senhores bispos – o mesmo se passa nas Forças Armadas, por exemplo – têm ao seu dispôr amplos meios para saberem, seguirem e controlarem o que se passa e autoridade para intervir. Não podem ser coniventes com o que acontecer de errado, ou incapazes de exercer a sua autoridade, por maior caridade que queiram ter pelo seu semelhante, ou cobardia de que sejam apossados.
As árvores podam-se para as livrar dos seus ramos ou galhos, que estejam podres ou secos e, a partir daí, revitalizarem-se.
O problema tanto da homossexualidade como da pedofilia (que não são a mesma coisa), começa nos seminários – conhecem-se vários casos, dos quais os mais “mediáticos” ocorreram no Seminário dos Olivais – e é, neste âmbito, que deve ser exercida a maior supervisão e rastreio. E a hierarquia tem de também tentar impedir eventuais infiltrações propositadas de elementos que não se vão coadunar com a sua “praxis”.
A discussão – que também já começou a ser ensaiada – sobre se os padres devem casar ou não, ou as mulheres terem acesso aos púlpitos, é lateral a toda esta questão. E podendo terem todos, opinião sobre o assunto, cabe apenas a alguns discuti-lo.
Tudo isto devia ter sido evitado. Mas esperar que tal ocorresse é esperar demais da condição humana, como muito bem discerniu S. Francisco de Néri.
João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador (Ref.)
Fonte: Inconveniente
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