quinta-feira, 23 de março de 2023

Quando o oprimido se transforma no opressor

 


A ideologia de género faz parte do movimento intelectual pós-moderno, que se caracteriza pela rejeição das meta-narrativas. O grande corolário deste movimento foi a conclusão de que não existe verdade absoluta, tudo é relativo, tudo é socialmente construído, todo o conhecimento e informação que circulam pela sociedade são produtos criados por quem está no poder. Daí vem a ideia de que o género é uma construção social criada por homens brancos heterossexuais.

A ideia de que a realidade é uma construção social é apenas parcialmente verdadeira, pois deixa ocultos alguns elementos fulcrais para a compreensão do assunto. Para sermos mais correctos, poderíamos dizer que construímos a realidade, mas os materiais da construção não foram feitos por nós. Eles já lá estavam quando chegamos ao sítio da obra. Nós podemos manipular os materiais, mas não os criámos. É aqui que está a diferença crucial entre os que insistem na importância da biologia e os que procuram destruir todas as referências a essa realidade.

Neste tipo de pseudo-filosofias há um elemento de inversão do processo. Não se parte dos dados da realidade para chegar a descobertas e conclusões, mas antes, parte-se da ideia que se pretende disseminar, sem tê-la feito passar pelo teste da realidade. Essa ideia é o que anima toda a construção teórica servindo-lhe de pressuposto, muitas vezes oculto. No exemplo a seguir, vemos como a ideóloga feminista Shulamith Firestone confessa (voluntária ou involuntariamente, não sabemos) a ideia que fez erigir uma das obras mais subversivas já escritas:

“E assim como o objetivo final da revolução socialista não era apenas a eliminação do privilégio da classe económica, mas a própria distinção da classe económica, assim também o objetivo final da revolução feminina deve ser, diversamente do objetivo do primeiro movimento feminista, não apenas a eliminação do privilégio masculino, mas da própria distinção sexual”.

(“A Dialéctica do Sexo”, Shulamith Firestone)

Quão perplexos deveremos ficar ao descobrir que este recente instrumento de opressão da mulher – a ideologia de género – surgiu do seio do próprio feminismo?

A definição de mulher em todos os dicionários comporta o termo “fêmea”. Este, por sua vez, refere-se às características sexuais femininas e, especificamente, a capacidade de ser fecundada. Portanto, mulher e fêmea são palavras sinónimas, e a sua aplicação varia apenas na ênfase: a última sublinha as características biológicas, enquanto a primeira pode transcendê-las para expressar o lado metafísico, mas sem nunca deixar de as conter.

Recentemente, o Cambridge Dictionary acrescentou o seguinte à definição de mulher: “um adulto que vive e se identifica como fêmea, embora lhe tenham dito que tinha um sexo diferente ao nascer”. Esta é a realização, pelo menos linguística, da eliminação da distinção sexual.

Ora, no nosso conceito natural de “mulher” está implícita e necessária a distinção de “homem”. Poderíamos mesmo dizer que mulher é aquele que não é homem, ou que homem é aquele que não é mulher. Mas quando uma instituição determina que as pessoas, doravante, devem pensar que quando se diz “mulher” podemos estar a falar de um homem biológico, está na altura de soar todos os alarmes e levantar a guarda de protecção da nossa inteligência.

Chegamos ao momento que Chesterton previu:

“Em breve estaremos num mundo em que um homem pode ser vaiado por dizer que dois mais dois são quatro, em que gritos de fúria serão levantados contra qualquer um que diga que as vacas têm chifres, no qual as pessoas perseguirão a heresia de chamar um triângulo uma figura de três lados, e enforcar um homem por enlouquecer a multidão com a notícia de que a relva é verde.”


Francisca Silva

Fonte: Inconveniente

Sem comentários: