sábado, 31 de agosto de 2019

Uma benigna bomba atómica espiritual na história da humanidade

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Os Descobrimentos e a Expansão marítima dos portugueses marcam o início da grande confluência, como um dia notou Felipe Fernández-Armesto. O planeta, até então separado em galáxias civilizacionais fechadas que só interagiam na orla umas das outras, foi convulsionado, gerando-se uma crescente dinâmica de trocas linguísticas, culturais, religiosas, artísticas e comerciais que transformaram radicalmente a face do mundo. Arnold Toynbee chamou a este novo ciclo Era Gâmica, pelo que há um antes e um depois da Expansão portuguesa. Antes, o fechamento do horizonte, a ilusão da unidade, a solidão temerosa do desconhecido.

No que à Europa respeita, o seu pequeno mundo limitava-se às margens do Mediterrâneo, ao Báltico e ao Mar do Norte, parando abruptamente nas estepes da Rússia já cristianizada, mas sempre exposta à ameaça asiática. Ora, Fernand Braudel, ao escrever esse imenso tratado de erudição e inteligência a que daria o título de O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II, notou que o Mediterrâneo do século XVI era uma região em rápido empobrecimento: terras sobre-exploradas, recursos naturais residuais, sobre-população exposta a fomes cíclicas. A Europa antes do surto expansionista europeu era pobre e incapaz de projectar poder.

Entre 1415 e 1543, ou seja, entre a tomada de Ceuta e a chegada das naus ao Japão, o mundo sofreu uma dramática mutação. O fascínio motivado pela revelação do mundo aos homens teve um efeito só comparável àquele que um dia, num futuro incerto, terão os nossos descendentes quando - a existirem - forem confrontados com seres inteligentes de outras galáxias. O impacto de Portugal na história dos homens foi profundo e só o podemos comparar a uma bomba atómica espiritual: todas as certezas foram abaladas, todos os medos superados, todos os objectos escondidos revelados.

Depois, foram cinco séculos de hegemonia europeia, seguidos da era americana, agora em lento mas insofismável declínio. No mundo que está a nascer todos os dias perante os nossos olhos - um mundo em que as civilizações chinesa, indiana e islâmica já exigem o direito a uma globalização negociada, recusando a imposição cega do critério ocidental - a Portugalidade, expressão da primeira globalização, com fortes e profundas raízes na América, em África, na Ásia e na Oceania, pode ser um importante agente de intermediação e actor no diálogo entre as civilizações.

A Portugalidade não é uma nostalgia pós-imperial; antes pelo contrário, a Portugalidade anuncia a chegada de um tempo em que os homens, passado o ciclo colonial, regressam à universalidade de uma mensagem de liberdade, respeito e abertura que um dia desembarcou nas praias do Brasil ao Japão.

MCB

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