Na semana passada li uma entrevista com um candidato a deputado (cabeça-de-lista) pelo circulo eleitoral do Porto. Neste breve texto, não é relevante referir nem o nome da pessoa, nem o partido que representa, pois essa é uma óptica que para aqui não é chamada. Apenas direi que se trata de um jovem estreante nestas lides e de uma organização partidária pertencente ao que se convencionou chamar o “arco da governação”. Daí a relevância do que a seguir descrevo e comento.
No meio da entrevista, deparei com uma pergunta sobre a hipotética alteração da idade mínima para o direito de voto a partir dos 16 anos. Questão para a qual, certamente, todos poderemos encontrar razões favoráveis ou desfavoráveis. Acontece que um dos argumentos usados pelo entrevistado para reflectir sobre o assunto está expresso neste naco da sua posição: “Quanto mais argumentos me dão para que o jovem não possa votar aos 16, mais eu tenho a certeza de que se calhar é o contrário. Porque os argumentos são na linha do ‘a pessoa de 16 anos não tem maturidade para fazer uma escolha’ e eu conheço muitas pessoas de 70 que também não têm” (in Publico, 17.07.2019). Voltei a ler, não queria acreditar no que estava escrito…
Não é que eu goste do neologismo, mas veio-me logo à cabeça o chamado idadismo, que tem sido definido como o pensamento e a atitude preconceituosas e discriminatórias com base na idade, sobretudo em relação a pessoas idosas. Não conheço o jovem e até acredito que, no fundo, não tenha tido a intenção de assim se exprimir. Mas questionei-me sobre o que o candidato quis dizer com falta de maturidade aos 70 anos, mistério que prefiro não abordar, para não chegar a conclusões familiares, sociais ou geracionais perigosas ou absurdas. Acontece que a argumentação usada, além de falaciosa, é profundamente injusta e mesmo insultuosa. Numa lógica silogística e num confronto entre “seniores” e “juniores”, eis o esplendor do seu raciocínio: se dizem que uma pessoa de 16 anos não tem maturidade para fazer uma escolha (votar), como conheço muitas (!) pessoas de 70 anos que também não têm maturidade, então estas também não estão em condições de fazer escolhas (votar)…
Hoje condenam-se – com justeza – diferentes formas de discriminação, designadamente de origem social e étnica. Não há dia em que não haja notícias sobre o assunto. Quanto a formas de apartar e discriminar os mais velhos, vamos ouvindo, mais larvarmente ou mais directamente (lembro aqui um deputado que, há poucos anos, falou na AR da “peste grisalha”, referindo-se aos reformados), considerações gerontofóbicas, ainda que sem manchetes mediáticas. A velhice, antes uma dignidade inalienável e uma conquista civilizacional é, agora, e não raro, considerada um peso, um passivo ou um fardo social numa abordagem estritamente utilitarista, hedonista e de cultura de descarte (e até de indiferença).
Como dizem os africanos a morte de um velho é como o arder uma biblioteca, a que eu acrescentaria de uma biblioteca de que só existe um exemplar, o que torna a sua sabedoria um bem precioso, uma verdadeira universidade da vida, para a qual não há manuais e dispositivos técnicos para a substituir. É bom não esquecer que uma pessoa mais velha já antes foi nova, ao passo que uma pessoa nova ainda não foi velha…
Uma pessoa mais velha tem naturalmente o desgaste inerente à idade e a longos percursos de trabalho, mas pode transmitir a sabedoria de vida através de um mais livre e integral modo, como também transmitir o testemunho da vivência, a memória que está para além da mera factualidade, a seriedade despojada da agressividade do quotidiano, a disponibilidade, a partilha e a ternura juntas numa simbiose desinteressada de dar sem exigência de troca.
“Enquanto somos jovens, somos levados a ignorar a velhice, como se fosse uma enfermidade da qual nos devemos manter à distância; depois, quando envelhecemos […], experimentamos as lacunas de uma sociedade programada sobre a eficácia que, consequentemente, ignora os idosos. Mas os idosos são uma riqueza, não podem ser ignorados! Os anciãos são a reserva sapiencial do nosso povo!”, afirmou o Papa Francisco. Já Bento XVI sintetizou assim: “a qualidade de uma sociedade vê-se a partir do modo como ela trata os idosos”.
Não certamente por acaso, e no meio de tanto lixo mediático que transforma ninharias em assuntos pseudo relevantes, sobre este assunto houve um silêncio desprezível e o habitual “aconchego” mediático, eufemístico e endogâmico político-partidário.
Por coincidência ou talvez não, quanto à questão da “identidade de género” (sic), o entrevistado defende, a mudança de sexo a partir dos 16 anos por decisão própria, o que, certamente, terá sido do agrado do “espectro político fracturante”.
Em suma: na velhice arde-se de maturidade, ao contrário do que disse o jovem político que, por certo, ainda irá beneficiar do conselho de muitas pessoas de 70 e mais anos. Provavelmente, a começar no seu seio familiar.
(O texto não segue o AO, por vontade expressa do autor)
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
Fonte: Voz da Verdade
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