segunda-feira, 26 de agosto de 2019

A ideologia de género, a imprensa e as redes sociais

O Governo, por via dos secretários de Estado para a Cidadania e a Igualdade e da Educação, publicou no passado dia 16 o Despacho nº 7247/2019, que “estabelece as medidas administrativas para a implementação do previsto no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 38/2018”, enquanto o país estava a banhos e a imprensa entretida com a greve dos motoristas de combustíveis.

Esta lei é a que impõe a ideologia de género nas escolas. Por ser de muito duvidosa constitucionalidade, a sua fiscalização foi recentemente pedida por mais de um terço dos deputados. À socapa do parlamento e no mais absoluto desrespeito pelo Tribunal Constitucional, dois membros do governo, em fim de mandato, apressaram-se a implementar, às escondidas dos órgãos de soberania e do país – numa sexta-feira de Agosto, em plena ponte do feriado do dia 15! – medidas que decorrem de uma ideologia que não tem qualquer fundamento científico e, muito provavelmente, é inconstitucional.
Como se todos estes atropelos ao normal funcionamento das instituições democráticas não bastassem, a notícia foi praticamente silenciada pelos principais meios de comunicação social. Com efeito, o referido despacho foi publicado no passado dia 16, mas a primeira notícia do mesmo só foi dada, a 19, pelo Notícias Viriato. O que diz muito da imprensa e das redes sociais que temos.
No caso Watergate, um jornal norte-americano conseguiu o que parecia impossível: a demissão de um presidente dos EUA! Mas, quase meio século depois desta façanha, a imprensa não foi capaz de evitar as eleições de Trump e de Bolsonaro.
Quase toda a imprensa norte-americana empenhou-se em impedir a eleição de Donald Trump, apresentado invariavelmente como um louco e um potencial detonador da terceira guerra mundial. Hoje, estas acusações devem fazer sorrir até os maiores inimigos do dito. Apesar das suas evidentes limitações, a verdade é que Trump parece ter derrotado o Estado islâmico e travado a ameaça nuclear norte-coreana, ou seja, fez muito mais pela paz mundial do que o seu antecessor que, no entanto, recebeu, não se sabe bem porquê, o Nobel da paz. Mas, se a imprensa norte-americana – que, mais do que pró-Hillary Clinton, era furiosamente anti-Trump – não conseguiu evitar a sua eleição presidencial, é porque os eleitores já não ligam ao que alguns media dizem.
O mesmo aconteceu no Brasil: alguma imprensa e muitos intelectuais também tentaram, por todos os meios, que o denominado fascista-nazi-antidemocrático Jair Bolsonaro não ganhasse as eleições presidenciais. Mais uma vez, os cidadãos fizeram orelhas moucas a tais paternalistas advertências e presságios de mau agoiro, e o horrível candidato da direita, passe o pleonasmo, foi mesmo eleito, sem que o seu país tenha mergulhado no caos que muitos profetizaram (e alguns, decerto, desejavam). Decididamente, a imprensa já não é o que era.
Estes acontecimentos criaram uma situação paradoxal: a de pretensos democratas criticarem, em nome da democracia, eleições democráticas. A mal disfarçada irritação dos media pôs também a nu a sua falta de isenção: afinal, os meios de comunicação social não são, salvo honrosas excepções, instâncias de reflexão crítica do poder instituído, mas instrumentos desse mesmo poder. Na realidade, já foi assim no fascismo (Estado Novo) e no social-fascismo (PREC) quando, para saber o que realmente acontecia no país, era preciso recorrer às agências noticiosas estrangeiras.
É verdade que a imprensa é essencial à democracia, mas não é um poder democrático, porque os jornais, rádios e televisões têm donos e interesses que não estão legitimados pelo voto popular. Em geral, a imprensa está alinhada com o politicamente correcto e, por isso, quem queira aceder a um discurso livre, tem que recorrer a meios alternativos, como são as redes sociais, os blogues e sites independentes, que têm também, como é óbvio, as suas debilidades: recorde-se a censura, feita pelo Facebook, a ‘sites’ católicos e o seu fraudulento uso, para fins eleitorais, de dados pessoais.
Um sinal significativo desta perda de influência de alguma comunicação social é o seu insucesso entre a gente mais nova. Durante três semanas deste mês participei num curso de verão, frequentado por mais de três dezenas de profissionais com formação universitária, com idades entre os vinte e cinco e os oitenta anos. Curiosamente, só vi os mais velhos a assistir aos telejornais, porque todos os outros preferiam informar-se por outras vias. Eu próprio, que já não sou jovem, há já vários anos que não vejo um telejornal, não só por falta de tempo, mas também de interesse.
Por acaso, no referido curso, ao passar por uma sala onde três pessoas de idade viam a televisão, vi-me obrigado a ouvir, durante alguns minutos, o telejornal da RTP. Era na antevéspera da greve dos motoristas de combustíveis e essa estação tinha repórteres em várias bombas de gasolina do norte, centro e sul do país. O pivot fez a ligação para os jornalistas destacados e todos, em directo, informaram … que não havia nada para informar! Foi como naquela tempestade-que-era-para-haver-mas-depois-não-houve, da qual as televisões fizeram uma impressionante cobertura! Não critico os infelizes profissionais destacados para tão inglórias missões, mas quem faz questão em informar o país inteiro de que … não há nada para informar! Como alguém disse: bem-aventurados os que, nada tendo para dizer, o não explicam com muitas palavras!
Enquanto as televisões estavam entretidas a noticiar o que não aconteceu, ocorreu uma coisa muito importante e grave, não só porque afecta milhares de crianças e famílias, mas também porque é, pela certa, inconstitucional: a publicação, de forma sorrateira, de um despacho que implementa a perniciosa ideologia de género nas escolas. Mas, como se trata de uma manigância muito politicamente correcta, alguma comunicação social fez o favor de nada dizer. Ante esta cúmplice conspiração do silêncio, valeu-nos a rede social que se ufana de ter sido o primeiro meio de comunicação a denunciar o escandaloso despacho, três dias depois da sua publicação.
Não estranha que haja quem não esconda o seu propósito de controlar, ou mesmo proibir, as redes sociais. Em nome da qualidade da democracia, claro! As redes sociais, na medida em que dão voz a quem a não tem nas televisões, rádios e jornais detidos pelo poder politicamente correcto, são hoje um dos mais importantes espaços de liberdade de pensamento e expressão, religiosa e política, dos cidadãos. Felizmente, como dizia o poeta, “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”!
Fonte: Observador

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