quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Caminho interior

 


Um castelo no extremo norte de Portugal esconde um tesouro digno de ser referido nestas páginas. Pequeno em dimensão, mas carregado de significado, o tesouro não é mais do que uma placa modesta que assinala o lançamento da primeira pedra da requalificação do castelo de Montalegre sob a presidência de SAR o Duque de Bragança.

Este restauro teve como iniciador simbólico não um governante ou um Chefe de Estado ocasional, mas o representante dos Reis de Portugal. Nenhum outro português teria tanta legitimidade para o fazer.

Foi em nome dos seus antepassados e do país que construímos em conjunto que, das suas ameias, olhos vigilantes venceram o sono, o frio e o medo. Foi por causa desta família e da língua que fizemos nossa que nos diferenciámos dos nossos vizinhos, nos defendemos dos seus impulsos hegemónicos e nos lançámos ao mundo. Foi pelo Rei e pela Grei, e pela aliança entre ambos, que os ocupantes do castelo de Montalegre asseguraram a nossa defesa comum durante séculos. Hoje ele ali permanece, lembrança da nossa antiga liberdade, testemunho firme da resolução portuguesa.

Do alto das suas torres não só compreendemos as dificuldades de então como reconhecemos as de hoje. Há pouco que defender em seu redor. A sua gente escasseia e envelhece. Populações declinantes cercadas de vazio vivem vidas conformadas, esquecidas por um país crescentemente litoralizado, demasiado embrenhado na sua pós-modernidade frenética para compreender usos, costumes e ritmos com outras cadências e raízes. 

O interior tem sido votado ao esquecimento de (quase) todos. Tornou-se pouco mais do que politicamente irrelevante, valendo cada vez menos lugares no parlamento. Os acessos que deviam aproximá-lo dos centros de decisão drenaram-no, os serviços básicos foram-lhe retirados em nome da racionalidade económica e ignoradas as suas especificidades culturais e linguísticas. Resta-lhe o declínio… e a dignidade.

Apesar de tudo isso, ou talvez por isso mesmo, o representante dos Reis de Portugal lá esteve, como é seu dever e direito, ao lado dos seus para os ajudar a reerguer-se. Sempre ao lado dos seus, onde quer que estejam, quem quer que sejam.

Só quem não depende de ciclos eleitorais, tem uma visão integral do país e compreende o valor e a insubstituibilidade de cada um dos seus recantos e de todas as suas gentes, é capaz de o servir tão completamente e de lhe dedicar cada dia de vida.

Para lá da A1, ou de uma visão turístico-pitoresca do outro Portugal que ainda resiste, felizmente temos connosco quem é capaz de trilhar esse caminho interior.


João Vacas


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