A III República, delineada pela Constituição de 1976, mas sobretudo pela revisão constitucional de 1982, para além da aberração de impor um caminho para o socialismo, foi construída pelos constituintes como reacção à de 1933, que edificou os alicerces do Estado Novo. E foi moldada, não só nos preceitos constitucionais mas nas palavras e nos actos, sobretudo durante as primeiras duas décadas de vigência, por essa mesma reacção contra o Estado autoritário concebido por Salazar.
Nacionalista na sua essência, o Estado Novo alicerçou na gloriosa História do passado, boa parte da sua ideologia e utilizou, até à exaustão, símbolos e recriação das memórias desse passado colectivo, como motivação para a construção política do seu tempo. Não foi por acaso que passou a celebrar o 10 de Junho como feriado nacional, Dia da Raça, feriado que depois da proclamação do regime republicano passara a ser o da cidade de Lisboa e o 1º de Dezembro, que a Constituição de 1911, apelidara de dia da Autonomia e instituíra como feriado nacional, para evitar a palavra restauração, que evocava a Monarquia entretanto derrubada.
Com e evolução da política encetada em 1976 pelos governos constitucionais sob a chefia de Mário Soares, que se proclamou federalista europeu e com a adesão à então CEE, toda e qualquer reminiscência do passado histórico foi guardada dentro da gaveta, conjuntamente com o socialismo e, sobretudo a esquerda, da mais moderada à mais radical, identificaram a Pátria como designação passadista, senão mesmo fascista. Em nenhum discurso político a Pátria foi evocada, nem mesmo no Dia Portugal, de Camões e das Comunidades, como o 10 de Junho passou a chamar-se. Apenas um político teve a coragem de falar da Pátria, referindo-se a Portugal, Manuel Alegre, dentro da tradição do republicanismo inicial.
As comemorações do 1º de Dezembro, ao contrário das do 10 de Junho, que continuaram a ter âmbito Nacional e itinerância territorial, deixou pura a simplesmente de ser alvo de cerimónias públicas nacionais, restringindo-se à Câmara Municipal de Lisboa e à perseverança da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e dos monárquicos. Porque poderia afrontar a nossa vizinha Espanha, que foi mesmo prioridade da política externa de Sócrates? Porque “restauração”, mesmo da independência, fazia ressoar na memória a dinastia de Bragança então iniciada e que o 5 de Outubro de 1910 destronou? Porque lembrava as paradas da Mocidade Portuguesa desse dia e o tão odiado Estado Novo? Ou mais simplesmente porque muitos dos que, no Governo e no Parlamento, desejavam uma evolução da Europa para um Estado Federal, mais ou menos mitigado, e a ideia de independência nacional fazia engulhos?
Inclino-me, embora sem pôr de parte as restantes razões, para a predominância desta última. Mesmo os não federalistas e mesmo os políticos de direita têm pejo em falar da Pátria e falar da independência e soberania nacionais, não vá serem acusados de retrógrados. E por isso vemos que ao ter de escolher dois feriados civis para serem suprimidos em nome da produtividade (que ninguém provou que tenha alguma incidência positiva) e da austeridade, um deles fosse uma data nacional que evoca a Pátria como um todo e não a vitória de uma revolução ou qualquer outro de significado menor. É sintomático desta III República para quem a Pátria não é sequer uma palavra, muito menos um conceito.
A República de 1974 ignora a Pátria, como ignora e deturpa a sua História nos manuais escolares. Ao contrário da maioria dos povos que não deixam de recordar e enaltecer a sua independência, os senhores do Poder, estes como os outros, preferem que não se fale delas. A República, como regime de facção que é, desvaloriza o que nos pode unir para exaltar o que nos divide.
João Mattos e Silva
Fonte: Real Associação de Lisboa
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