"Não podemos reconhecer nunca, nem ao filho de Henrique de Borgonha nem aos portugueses, o direito à emancipação".
(Lafuente, citado por Hernâni Cidade)
"A Espanha como um todo, mais do que uma recordação, é uma meta, um destino. A separação de Portugal foi um fracasso, uma rebelião contra a Geografia. A Península Ibérica está preparada desde o princípio do tempo para ser a morada dos Espanhóis".
(Julian Marias, "Cinco Anos de Espanha", 1982)
INTRODUÇÃO
Porquê 1640 e porquê a expressão "máxima de cidadania"?
1640, entenda-se, o 1º de Dezembro desse ano, viu chegar a Restauração da soberania plena da Nação Portuguesa e a Aclamação de um Rei, que iniciou uma nova dinastia, também ela originária de uma casa ducal portuguesa.
Digo plena, porque "de jure", Portugal nunca chegou a perder a sua independência, dado que a coroa nacional nunca chegou a ser absorvida pela Espanha, coroou apenas a cabeça de um Rei oriundo de outra terra. Daí o nome de "Monarquia Dual".
Esse Rei foi Filipe I, um homem muito capaz e que nos conhecia bem (a sua mãe era portuguesa e a sua primeira mulher, também).
E de tal modo era sagaz que preservou, na sua quase totalidade, os foros e prerrogativas nacionais (note-se que nem a moeda nos tirou, ao contrário da UE…) o que ficou consignado nas Cortes de Tomar, de 1581.
Foram os seus descendentes, nomeadamente Filipe III e o seu valido Conde-Duque de Olivares, que vieram a desrespeitar o que fora estabelecido nas Cortes, ao mesmo tempo que esmagavam o Reino com impostos e requisições militares, deitando tudo a perder para a Espanha.
Porém um aspecto se verificou desde o princípio do reinado de Filipe I e que nos afectou sobremaneira: a política externa. Como a sede do Poder político estava em Madrid, Portugal perdeu qualquer individualidade na defesa dos seus interesses e nas relações internacionais. Ou seja, e por exemplo, Filipe como Rei de Espanha não podia estar em guerra e, como Rei de Portugal, gozar a paz…
Ou seja a nossa autonomia, neste âmbito, era nenhuma, pelo que passámos a ter de ir combater nas guerras de Espanha e a ser atacados por todos os seus inimigos – que eram muitos!
Em síntese, não tendo Portugal perdido a sua independência "de jure" perdemos - la "de facto"!
Deste modo a luminosa madrugada desse dia 1º de Dezembro permitiu, não só que a Nação Portuguesa mantivesse a sua identidade como lhe devolveu a sua individualidade (aliás uma não se pode manter sem a outra, que é outro erro recorrente nos dias de hoje).
Ora a autodeterminação e independência de um povo como o português – que já era nação completa, desde o tempo do Rei D. Dinis; tem as suas fronteiras estáveis, mais antigas da Europa e do Mundo, desde o Tratado de Alcanizes de 1297 – apesar do abcesso político/diplomático de Olivença, ocupada ilegalmente desde 1807, seguramente desde 1815 – e com um embrião de estado moderno, desde o preclaro Rei D. João II, representa, dizia, o acto cívico mais importante, revolucionário e exclusivo de todos os possíveis.
Daí a expressão "máxima de cidadania".
Por tudo isto não se pode aceitar a reprovável, anti natural e insensata medida, de se acabar com o feriado nacional que a comemorava! Esta medida tem que ser urgentemente revertida.
ENQUADRAMENTO GERAL: COMO SE CHEGOU ÀS CÔRTES DE TOMAR, DE 1581?
"Antes morrer livres, que em paz sujeitos".
Cyprião Figueiredo de Vasconcelos
(Governador das Ilhas dos Açores, in Carta a El-Rei Filipe I, 1583)
Como se sabe, as Cortes de Tomar que se iniciaram a 16 de Abril de 1581, representam o culminar de todos os eventos que levaram a que Filipe II de Espanha cingisse a Coroa Portuguesa (apesar da maioria das ilhas dos Açores só se terem rendido, em 1583).
Filipe falou para a História e disse, referindo-se a Portugal, que "este Reino herdei -o, comprei-o e conquistei-o". Não há a certeza que ele tenha proferido a frase mas, de facto, assim aconteceu.
Vejamos como tudo se passou, em termos sucintos.
Com o desaparecimento de D. Sebastião durante a batalha de Alcácer Quibir – e ainda hoje não se sabe ao certo o que realmente se passou – o Reino ficou em estado de choque. Não apenas pela noticia da derrota e pela brutalidade do número de mortos (cerca de 9000) e dos milhares de cativos, onde se destacava a fina flor da nobreza mas, também, porque o Rei, ao embrenhar-se em tão arriscado lance – que, ao contrário do que defende uma historiografia alargada, tinha plena justificação estratégica, não se tratando de nenhum desvario real – dizia, não tinha assegurado descendência.
No transe assegurou a realeza o já caquético e pusilânime Cardeal D. Henrique, que reinou ano e meio. Sem descendência e indeciso acabou por morrer, em 31 de Janeiro de 1580, sem usar a prerrogativa de nomear sucessor, antes apontando uma junta de cinco governadores criando, deste modo, uma gravíssima crise política e de sucessão.
Dividiu-se o Reino.
Havia três correntes de opinião e seis candidatos ao trono: Filipe II; D. António, Prior do Crato; D. Catarina de Bragança; o Duque de Saboia, Manuel Felisberto; Raimundo, Príncipe de Parma e Catarina de Médicis, Rainha - mãe de França.
Destes seis só os três primeiros tinham hipóteses sérias: Filipe por ser neto de D. Manuel I; O Prior do Crato, por ser bastardo legitimado, do Infante D. Luís (segundo filho de D. Manuel) e a Duquesa de Bragança, filha do Infante D. Duarte, também ele, filho de D. Manuel.
O primeiro tentava, por todos os meios, influenciar o Clero e a Nobreza portuguesa conseguindo comprar muitas consciências e ainda amedrontar o Cardeal – Rei; D. António não era bem visto pela Nobreza e Clero legalista, mas dispunha de amplo apoio no povo e nas Ordens Militares/Religiosas, e D. Catarina que era ciosa da independência e constituía a única alternativa nacional para a Nobreza, que detestava o Prior do Crato que, por sua vez, era muito malquisto de D. Henrique, que o chegou a desterrar.
Quanto aos governadores, o Arcebispo de Lisboa (que era afecto a D. Catarina), D. João de Mascarenhas, Francisco de Sá, Diogo de Lopes de Sousa (afectos a Filipe II) e D. João Teles de Menezes (partidário de D. António) foram, de início, imparciais na governação do Reino tomando atitudes acertadas na administração do mesmo. Convocaram cortes para 20 de Maio de 1580, em Almeirim, entretanto adiadas e transferidas para Setúbal devido a um surto de peste.
Surgiu então o boato de que as tropas do Duque de Alba invadiam o Alentejo, o que provocou a indignação geral e a aclamação de D. António, em Santarém, apoiado por grande parte do Reino.
Os três governadores que restavam (dado que o Arcebispo de Lisboa tinha adoecido e D. João de Menezes afastara-se por não concordar com o rumo dos acontecimentos) fogem para Castro Marim e de lá nomearam Filipe II Rei de Portugal e D. António, rebelde.
O Duque de Alba vence a resistência que encontra no Alentejo e desbarata as forças de D. António, em Alcântara, já com a esquadra do Marquês de Santa Cruz na barra do Tejo.
D. António foge para o Norte, entra na clandestinidade até se exilar para Inglaterra.
Filipe II entra em Portugal, a 27 de Dezembro de 1580, dirigindo-se a Tomar onde é aclamado Rei de Portugal.
As causas do declínio português que terminou neste fatídico desenlace devem-se, fundamentalmente, a falhas de liderança, podendo distinguir-se neste âmbito, os seguintes:
- A desmoralização da Corte
- Não observância do princípio do objectivo
- Erros no aproveitamento das riquezas
- Declínio das Ordens Militares/Religiosas
- A questão religiosa e a implantação da Inquisição
- Quebra na formação e escolha dos elementos dirigentes.
O PAÍS NAS VÉSPERAS DA RESTAURAÇÃO
"Aonde se dirá com honra, que se entregou este reino a Castela por temor de se defender do seu poder?"
Febo Moniz
O reinado dos Filipes resultou num longo calvário de perdas e suplícios, sobretudo a partir da morte de Filipe I.
Mesmo depois da aclamação de Filipe I nas Cortes de Tomar, a resistência não sucumbiu totalmente. Os Açores resistiram três anos, sob o comando de Cyprião de Figueiredo, e foi necessário uma forte esquadra para os submeter. D. António veio a morrer na miséria, em 1595, perseguido pelos agentes de Filipe I.
Os seus seguidores, reunidos em torno do seu filho D. Cristóvão, continuariam a resistência, multiplicando os livros, brochuras, panfletos, etc., dentro e fora do Reino. Outros, onde se incluíam membros do baixo clero e fidalguia, percorreram vários países da Europa tentando influenciar os grandes dessas nações.
Fazia-se apelo ao direito dos portugueses a um rei natural, não se submetendo a Castela.
Nasce a lenda do "Encoberto", que as trovas do Bandarra tanto ajudaram a espalhar. Renova-se o sentido da independência, tendo o Duque de Bragança começando a ser olhado como possível rei.
Filipe I, de um modo geral, procurou cumprir as promessas feitas nas Cortes de Tomar, no sentido de acatar os privilégios, foros e regalias dos portugueses e de manter separados os cargos e ofícios régios, que eram ocupados por nacionais. A união das coroas de Portugal e Espanha não pôs em causa, do ponto de vista jurídico-político, a independência interna do nosso País.
No entanto a posição portuguesa estava pouco acautelada face à Espanha, no sentido em que não tinha uma política externa própria. Ora a política feita em nome dos reis de Espanha raro coincidia com os interesses portugueses.
Muitas das contendas em que os monarcas espanhóis se achavam envolvidos (disputas no centro da Europa, lutas hegemónicas na Itália e França e os conflitos de ordem religiosa), arrastaram-nos para hostilidades que não eram as nossas e aumentaram o rol dos nossos inimigos. Tais factos obrigaram a um esforço militar muito grande, disperso pelo mundo e a dolorosas amputações no património ultramarino.
À medida que o tempo passava e, sobretudo a partir de 1628, rebentaram revoltas um pouco por todo o país, de que se destacam Lisboa, Évora, Ericeira e Mafra. A repressão fez-se sentir e tropas espanholas são enviadas para Portugal e as fortalezas entregues a oficiais castelhanos.
A opressão passou a ser intolerável.
O ódio aos espanhóis foi concentrado na figura do Conde-Duque Olivares, que advogava uma política de força e intervenção – visando a absorção de Portugal - e em Miguel de Vasconcelos, Secretário do Reino, sendo Vice-Rainha a Duques de Mântua.
O panorama internacional mudou, entretanto, a favor de Portugal.
Em 1580 era omnipotente o trono espanhol o qual, vivendo do génio político de Carlos V, não possuía rival à altura. A Casa de Áustria dominava.
Em 1640 a realidade era outra. O poder real enfraquecia em Espanha. Havia movimentos autonomistas no seu próprio território e na zona alemã. Os ingleses, agora com Isabel Tudor, continuavam interessados em abater o poderio espanhol. Esta rainha apoiou os emigrados portugueses e chegou a pensar um acordo com Marrocos que facilitasse um desembarque nas costas portuguesas.
A tentativa castelhana para destruir o poderio inglês falhou com a Invencível Armada. A longo prazo esta derrota favorecia Portugal, mas no imediato, as perdas da marinha nacional iriam impedir a defesa do Ultramar e do nosso litoral europeu, contra os corsários.
Na Europa ocorrem numerosas guerras em busca de hegemonia. O Duque de Bragança, que casará, em 1633, com D. Luísa de Gusmão (da Casa de Medina Sidónia), estava informado do que se passava, através das cartas de seu irmão D. Duarte que, na altura, viajava pelas diferentes cortes europeias.
Em 1603 morre Isabel Tudor e o domínio espanhol é contestado. As Províncias Unidas aliam-se à Inglaterra. Há confrontos nos Principados Germânicos. Rebentam conflitos por toda a parte.
Com Richelieu há uma política concertada para abater a Casa de Áustria. Em 1635, a França declara guerra à Espanha, no âmbito da Guerra dos 30 Anos, conflito que termina em 1648, com a Paz de Vestefália. A Espanha está em declínio e não consegue fazer face a todos os problemas que lhe surgem.
Portugal agita-se. Em 1639, o Conde-Duque Olivares nomeia o Duque de Bragança – o fidalgo mais poderoso do Reino, em quem confluíam os desígnios da revolta – Governador das Armas de Portugal. Era uma tentativa de manietar o Duque e de lhe testar a lealdade.
Richelieu promete ajuda a D. João e já a presta aos revoltosos da Catalunha, que se sublevaram, em Junho de 1640. A oportunidade era única.
Em 1 de Dezembro, estão os três braços do Reino de novo reunidos.
O Alto Clero era representado por D. Rodrigo da Cunha, Arcebispo de Lisboa e pelo Arcebispo Primaz, D. Sebastião de Noronha. A Nobreza, por D. Antão de Almada, em cujo palácio se realizaram muitas das reuniões dos conjurados; D. António Telo, D. Jorge de Melo, D. Lourenço de Lima e muitos outros.
O Padre Nicolau da Maia fomentou a revolta no povo e baixo-clero.
D. Filipa de Vilhena e D. Mariana de Lencastre prepararam as mulheres portuguesas ao incitarem os seus filhos à luta. A própria Duquesa, D. Luísa de Gusmão encorajou o futuro rei dizendo-lhe "mais valia morrer reinando do que viver servindo" (palavras sábias que hoje fazem muita falta…).
Porém, o verdadeiro mentor da revolução foi o Dr. João Pinto Ribeiro, a quem se deve, inclusive, a ultrapassagem de uma crise de desalento, já em vésperas do dia redentor.
Em síntese, pode afirmar-se que as razões que mais contribuíram para a Restauração foram, o desrespeito, sobretudo a partir de Filipe III, do acordado nas Cortes de Tomar; os impostos sucessivos e não consentidos; as guerras que não nos diziam respeito; o abandono das conquistas e navegações; a conjuntura internacional que, a partir de 1635, ajudava as intenções portuguesas; a política sistemática conduzida por Olivares de enfraquecimento e absorção de Portugal; o Patriotismo, a saudade da independência e a crença na redenção da Pátria, que nunca esmoreceram e das quais o "Sebastianismo" foi uma das expressões mais evidentes.
Finalmente as medidas que precipitaram a revolução foram a mobilização dos principais fidalgos portugueses para combaterem a revolta da Catalunha e o anúncio de mais impostos.
Fonte: O Adamastor
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