E ASSIM SURGIU A RESTAURAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
"Eu não sirvo a El-Rei D. António por interesse… Mas sirvo-o com a pureza da minha obrigação de que resulta não me moverem mercês prometidas que foy o laço em que cahio Portugal; porque fora do que devo, nenhuma couza me poderá mover a troco de vender a Honra e Lealdade que não tem preço nem que eu tanto tanto estimo; lição que a muitos fidalgos esqueceu".
Cyprião de Figueiredo de Vasconcelos
Governador da Ilha Terceira,
in a El-Rei Filipe I
A independência conquista-se, nunca é oferecida. Isto implica um preço a pagar para a sua obtenção e outro para a sua manutenção (coisa se que hoje em dia também estamos esquecidos!).
O apoio do futuro D. João IV foi fundamental para a continuidade do sucesso da revolta e para evitar intervencionismos estrangeiros. O levantamento foi, deste modo, da responsabilidade exclusiva de dirigentes portugueses, que começaram por dominar o centro da administração filipina – o Terreiro do Paço – após vencerem a Guarda Alemã.
O povo ao saber disto revoltou-se em massa. A guarnição espanhola do Castelo de S. Jorge rendeu-se. Á tarde já Lisboa era patrulhada por grupos de fidalgos portugueses.
Como um rastilho a notícia do sucesso percorreu o país, que aderiu em bloco à revolução, sem que qualquer tipo de resistência se tivesse esboçado.
O mesmo aconteceu em relação a todas as possessões ultramarinas portuguesas com uma excepção: Ceuta cujo governador era espanhol não reconheceu D. João IV e desligou-se da Nação.
O modo como a Restauração da Independência se deu e o desenrolar dos acontecimentos mostram, por um lado, que a população estava madura para o evento e, por outro, a longa preparação que a antecedeu. E tudo se fez sem forças estranhas à nacionalidade.
A tarefa era, todavia, ciclópica. Tornava-se, desde logo, necessário tentar saber quais as intenções espanholas e qual o auxilio que eventuais aliados estavam dispostos a conceder e em que condições.
A Espanha estava decidida a não perder Portugal, que lhe aumentava extraordinariamente a importância estratégica, sobretudo no Atlântico, que lhe protegia as "costas" e lhe aumentava as rendas.
A maneira de trazer Portugal de volta ao mando de Madrid é que causava controvérsia e dificuldades. Quais as opções? Basicamente três: a guerra imediata; a estratégia indirecta de cunho político, económico e diplomático, ou a tentativa de eliminação física do Rei, da dinastia e dos seus mais directos servidores. Ou uma mescla das três, dado não se excluírem mutuamente. A Espanha não tinha, contudo, tropas disponíveis para atacar Portugal, já que se encontravam em operações na Flandres e na Catalunha.
O facto de estarem convencidos de que o povo português ofereceria tenaz resistência levou-os a ponderar melhor as acções a tomar e a dilatá-las no tempo. Em termos diplomáticos tentaram isolar Portugal defendendo, também, que os portugueses deveriam ser tratados como rebeldes.
Dado que Portugal estava na disposição de fazer uma guerra defensiva, os espanhóis não sentiram necessidade de deslocar tropas para a nossa fronteira, o que permitia não aliviar a pressão na Catalunha e ao mesmo tempo fazer crer aos franceses que nada ganhavam em apoiar a nossa causa.
Esta posição de Madrid, que era no fundo uma posição de fraqueza, permitiu a Portugal reforçar-se no campo militar e económico e empreender uma vasta acção diplomática, que se resume:
- Envio, em 19 de Dezembro de 1640, de um emissário à Catalunha, para afirmar os direitos ao trono e prometer ajuda à luta dos catalães;
- Envio, em 21 de Janeiro de 1641, de uma embaixada a França a fim de negociar apoios mútuos;
- Em simultâneo com o anterior, são concedidas aos holandeses a liberdade de comércio que estes gozavam antes de 1580;
- Envio, em 2 de Fevereiro de 1641, de uma embaixada para Inglaterra com vista a obter-se um acordo e adquirir armamento;
- Embaixada com fins idênticos foi enviada à Holanda, em 9 de Março do mesmo ano;
- A 18 de Março de 1641, seguiu uma embaixada para a Escandinávia, que obteve fracos resultados;
- Em Abril do mesmo ano foi a vez da Santa Sé ser visitada por uma delegação portuguesa encabeçada pelo Bispo de Lamego, D. Miguel de Portugal.
Esta delegação não foi recebida pelo Papa e sofreu hostilização constante enquanto permaneceu em Roma. A Santa Sé só não fez uma condenação formal da Restauração como pretendia Madrid. Esta situação deixou a Igreja Portuguesa em sérias dificuldades. Por exemplo o Papa não confirmava os bispos propostos por D. João IV e, em 1645, havia 17 dioceses vagas.
De tudo isto resultou um tratado com a França; tréguas com a Holanda e reconhecimento da Inglaterra para a mudança de soberania, embora não se tratasse de um reconhecimento "de jure" da revolução.
Mais importante, ficou patente para os portugueses a precaridade do apoio exterior e de que teriam que contar sobretudo com eles próprios. E fez-se outra coisa de grande sensatez: não se permitiu tropas estrangeiras em solo nacional, para além daquelas que pudéssemos efectivamente controlar.
A Espanha fazia constante luta ideológica que era contrariada do lado português. Eis os principais argumentos:
- O 1º de Dezembro representava a restauração dos direitos da Casa de Bragança ao trono português, que lhe tinham sido retirados em 1580;
- Filipe II foi um rei imposto;
- D. Catarina desistira dos seus direitos por razões pessoais;
- Os povos tinham o direito de resistir quando são desrespeitados os seus direitos e privilégios. O estabelecido nas Cortes de Tomar de 1581, tinha sido amplamente iludido;
- O povo tinha o direito de entregar o trono a quem legitimamente defendesse os seus "foros e privilégios".
Os assuntos do Ultramar também careciam de uma acção delicada. Era necessário manter a unidade do mundo português em termos políticos e espirituais, mas cada região possuía características e situações distintas. Assim era mister acorrer a cada uma delas em função das forças prevalecentes.
O ano de 1641 foi muito importante para a diplomacia portuguesa que conseguiu ainda evitar o reconhecimento das conquistas feitas pelos holandeses; concederam-se garantias de comércio aos ingleses que permitiam quebrar o bloqueio espanhol, conseguindo-se, ainda, que a Suécia nos vendesse armas. O grande obstáculo com que deparámos foi a Santa Sé, que entendia que a independência portuguesa era um factor de enfraquecimento do mundo católico que lutava contra as heresias.
E a Espanha conseguiu evitar que Portugal se sentasse à mesa nas conversações de Vestefália, em 1648, cujas concepções vieram a durar até ao século XX.
Das querelas europeias aproveitou Portugal para negociar o enlace do herdeiro, D. Teodósio com uma princesa francesa ou, em alternativa, uma renovação da Aliança Inglesa, com eventual aproximação das casas reais.
A guerra aberta entre a Inglaterra e a Holanda, a partir de 1651, aproveitou a Portugal que atacou os holandeses no Brasil, de onde foram expulsos, definitivamente, em 1654.
O aumento do poder naval inglês também nos ajudou já que a conflitualidade com espanhóis, franceses e holandeses garantia - nos maior liberdade no Atlântico o que permitiu aumentar o comércio com o Brasil através de comboios navais devidamente escoltados.
A Espanha, porém, consegue finalmente um Tratado de Paz com a França (que nos abandona), o Tratado dos Pirenéus, em 1659 e tal facto permite-lhe deslocar tropas para a fronteira portuguesa. A fase militar mais aguda e perigosa para Portugal, ia agora ter lugar.
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A resistência portuguesa foi duramente organizada desde o início, não se improvisou. Gastou-se grossa soma de cabedais e esforços na reparação de fortalezas ao longo da fronteira, na linha de costa e nas principais vias de infiltração do território. Reorganizaram-se as milícias e contrataram-se soldados profissionais e quadros – o que era norma nessa época, em todos os países.
Portugal manteve-se na defensiva e alguns dos primeiros combates não nos foram favoráveis, como a queda de Olivença e a desistência do cerco de Badajoz. A primeira vitória significativa dá-se nas Linhas de Elvas, em 14 de Janeiro de 1659, onde o Conde de Cantanhede venceu D. Luís de Haro, que tinha sido o negociador da Paz dos Pirenéus.
Neste tratado os franceses comprometiam-se a não ajudar Portugal, o que causou grande indignação no País. A Rainha D. Luísa de Gusmão, partidária do apoio francês, viu o seu "partido" sair ferido desta situação. Algumas personagens do Paço ficaram perturbadas com estes eventos e temiam que Portugal não se aguentasse em termos militares.
Foi nesta altura que D. Francisco Manuel de Melo negociou o casamento de D. Catarina de Bragança, com Carlos II. A Diplomacia espanhola tentou impedir por todos os meios este enlace, sem o conseguir.
A 25 de Abril de 1662, saíu D. Catarina de Lisboa para Londres, e o casamento realizou-se a 31 de Maio (tendo o dote custado dois milhões de cruzados e as cidades de Tânger e Bombaim). Foi renovada a Aliança Luso – Britânica, tendo cessado o isolamento do trono português.
Na Corte em Lisboa, porém, continuavam as linhas de fractura, quanto às estratégias a seguir e quanto aos modelos políticos a estabelecer (o que tem sido uma constante na nossa História…).
É dentro desta lógica que se deve entender o golpe de estado tentado pela Rainha Regente, que visava substituir o seu filho Afonso VI (por incapacidade), no poder, pelo irmão D. Pedro. Um contra golpe desencadeado pelo Conde de Castelo Melhor fez abortar a tentativa e obrigou a Rainha a restituir o poder três dias depois (23 de Julho de1662).
Intensificaram-se, de seguida, as operações militares; a 8 de Junho de 1663, D. João de Áustria é vencido no Ameixial; a 7 de julho ganha-se em Castelo Rodrigo e, finalmente, em 17 de Julho do mesmo ano, o Marquês de Marialva desbarata o Exército espanhol do Marquês de Caracena.
Filipe III morre pouco tempo depois e a paz começa a ganhar contornos.
De novo os meandros da política internacional nos vão afectar, como sempre acontece.
A França quer, a partir de 1655, ocupar os Países- Baixos espanhóis, convindo-lhe que a Espanha tivesse problemas militares noutros lados; a Inglaterra estava de novo em guerra com a Holanda e, também com a França a qual ao pretender renovar o apoio de lisboa sugere o casamento de D. Afonso VI com uma princesa francesa.
É com estas coordenadas que a diplomacia portuguesa vai encetar as conversações de paz, de que o povo português estava desejoso.
A Inglaterra desejava a paz pois pretendia enfraquecer a França e permitir o reforço dos Países- Baixos, ao mesmo tempo que desejava proteger as suas rotas e comércio no Atlântico.
A França pretendia que Portugal encetasse operações ofensivas em Espanha, oferecendo-se para fazer uma "Liga Formal" a que se tinha recusado nos últimos 20 anos…
A Espanha sabendo tudo isto, inclinou-se ao tratado de paz. O aumento do poder português melhorou a nossa margem de manobra. O embaixador inglês em Madrid trabalhou em conformidade.
Castelo Melhor entendeu a situação e dispunha-se à paz. Mas, conhecedor do poder francês não o subestimou. Mantendo o apoio inglês, aceitou a proposta de casamento do Rei com a Princesa Maria Francisca Isabel de Saboia.
Para a França e seus apaniguados na Corte de Lisboa, tornou-se clara a necessidade de afastar Castelo Melhor. O Palácio do infante D. pedro era o centro da conspiração contra o Escrivão da Puridade. O Golpe deu-se em outubro de 1667, resultando na fuga do Conde e na substituição do Rei, pelo irmão, como regente, o que teve o apoio da Rainha, que era amante do irmão com quem viria, mais tarde, a casar depois de um atribulado processo de anulamento de casamento.
Apesar de mais uns quantos incidentes a paz viria a ser assinada, em 13 de Fevereiro de 1668.
Para traz ficaram 28 anos de luta tenaz onde prevaleceu a vontade de independência dos portugueses!
CONCLUSÃO
"El-Rei Filipe bem poderá meter-me em Castela, mas Castela em mim é impossível".
Frei Heitor Pinto
Durante os 60 longos anos que durou a ocupação filipina, o espirito nacional não morreu, mantendo-se vivo e alimentado pelo "sebastianismo", esse estranho e indefinível fenómeno que se traduzia na saudade das glórias passadas, misturado com a esperança no retorno do Rei-Menino (no fundo um qualquer), que viesse restaurar a independência e liberdade da Pátria.
O sofrimento comum, as desilusões e as incontáveis desgraças e perdas, regeneraram o país e as suas gentes e uniu-o (esperemos que hoje possa acontecer o mesmo…).
Nas vésperas do grande dia a Nobreza, o Clero e o Povo estavam, de novo, coesos no mesmo propósito.
Por isso se gerou uma unidade indestrutível, disposta a todos os sacrifícios, sem regatear esforços, cabedais e vidas, o que permitiu a cerca de dois milhões de antigos compatriotas nossos, aguentar uma ofensiva à escala mundial, da maior potência mundial da altura e, ainda, sustentar dezenas de ataques dos seus inimigos – a Inglaterra, a França e, sobretudo, a Holanda – durante 28 anos. E sair vencedores!
Potências, estas, que se apressaram a protestar o seu apoio a Portugal na Europa (sempre com o seu interesse à cabeça), enquanto nos continuavam a atacar no Ultramar – na senda do que continuariam a fazer, sem interrupção até ao 25 de Abril de 1974 e, também, daí para a frente.
Para já não falar da oposição da Santa Sé. Que ainda levou dois anos a reconhecer a Restauração portuguesa, após a paz ter sido firmada, em 1668.
Ora tudo isto representa um feito único na História Universal, que os portugueses de hoje, em geral ignoram e não têm a menor ideia do que representa.
É muito lamentável e, até, perigoso que assim seja e, por isso, tive o maior gosto em vir aqui partilhar convosco estas mal alinhavadas ideias.
Aprender com os erros e os acertos do passado, eis um desafio que, para nós, deve ser permanente. É para isso que deve servir a História, que o único laboratório da Política…
Hoje estamos, mais uma vez, perante uma esquina perigosíssima do nosso devir colectivo. É uma esquina de vida ou de morte. Se nos unirmos em torno de ideias sãs e patriotas, obraremos ter futuro. Caso contrário seremos destruídos e, ou, escravizados e desapareceremos como Nação.
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
Escrito em Lisboa, capital da Respública, aos 21 de Janeiro, 372 anos após o glorioso 1º de Dezembro de 1640 e a escassos meses de novas forças usurpadoras e antinacionais, eliminarem a data das comemorações oficiais.
Glória aos "Conjurados", Morte aos traidores!
Fonte: O Adamastor
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