«Aos que se dizem Indiferentes
Senhores:
Se eu acreditasse nas vossas afirmações de indiferentistno político seria também obrigado a ter por vós uma absoluta indiferença pessoal.
Começaria por experimentar intimamente um sentimento de inveja pelo dom com que havíeis sido favorecidos, de conseguirdes viver impassíveis no meio das lutas, dos choques, dos ruídos e dos clamores. Depois, decerto, sentiria por vós um profundo desprezo porque ser indiferente em política é comer o pão que outros ganharam, é gozar a harmonia que outros estabeleceram; usufruir a paz que outros conquistaram, é, enfim e em resumo, viver a vida que outros! criaram. Ser indiferente em política é adoptar uma posição de parasitismo intelectual, filha de um egoísmo agudo, e que leva tantos a gozar benefícios recebidos de uma sociedade, para cuja manutenção e aperfeiçoamento se recusam sistematicamente a contribuir.
Mas eu, sem quebra de respeito pela vossa palavra honrada, não acredito no indiferentismo que proclamais, embora acredite, sim, numa atitude de repugnância, de desprezo por tanta desorientação, por tanto atropelo, por tanta violência publicamente apresentados como afirmações políticas, mas que são, única e simplesmente manifestações reles de POLITIQUICE.
E como é à roda da questão de regime que as lutas sempre têm atingido a intensidade máxima, também é pelas questões de regime que vós mostrais a indiferença mais profunda.
Essa atitude de afastamento resulta, porém, incompreensível se sobre ela fizermos incidir a luz de um raciocínio claro e sincero.
Estais, de facto, longe de vos desinteressardes da governação pública, mas entendeis que, boa ou má, ela será consequência da educação dos homens, servindo as divergências quanto a regimes, unicamente para azedar e enredar as relações entre cidadãos. Mas, atribuindo vós à educação uma importância primordial (ou não fôsseis pessoas austeras e sizudas) esqueceis, por outro lado, ou ignorais que o ambiente educacional cívico para os povos, é constituído em larga extensão pelo regime político.
Sois incompreensíveis, senhores!
Sabeis, através uma certa ilustração moral e religiosa, que «a ocasião é que faz o ladrão» e que muitas almas de elite só atingiram a perfeição cristã porque procuraram intransigentemente fugir às ocasiões em que poderiam cair em tentação, mas é-vos, afinal, indiferente que, na vida pública, estas ocasiões sejam múltiplas ou reduzidas, que haja muitas quedas ou apenas raras, a lamentar.
Sois, de facto, incompreensíveis, pois deveríeis saber que são as más leis e a falta de disciplina e de respeito na sociedade, a ausência de prémio ou de castigo, o que representa para todos, aquelas ocasiões de prevaricar, de não cumprir, de ser infiel a si próprio, a Deus e à Pátria.
E a excelência das disposições legais, tanto como o zelo no seu cumprimento, estão dependentes do carácter do regime, porque é este que, em última análise as enforma e lhes transmite, ou não, a seriedade, a equidade e também a humanidade de que necessitam revestir-se para serem boas e serem cumpridas.
Nos ambientes deletérios, mesmo os organismos mais saudáveis acabam por se contagiar e adoecer. Vós não pensais, por exemplo, que, na nossa primeira república, todos os governantes foram desonestos, incompetentes ou mal intencionados, ainda que nesses tempos houvesse inteira liberdade de o afirmar e até de o provar em relação a muitos deles.(…)
Pois pensai e raciocinai, para, quando chegar a hora de concluir, poderdes obedecer apenas aos ditames da inteligência iluminada pela boa vontade.
Então, estareis de acordo comigo em dizer: A Monarquia não é um regime ideal. Tem defeitos, como tudo o que é fruto do engenho humano. Mas exactamente por isto, é o regime que, revestido das suas características tradicionais e paternais, melhor garante ao Homem o exercício da plenitude da sua personalidade, sabiamente orientada para o serviço da comunidade, mas sem o culto de nacionalismos estreitos e belicosos.
É certo, porém, que, no fundo, não haverá motivo para apagardes a vossa aversão aos truques partidistas, às arruaças e à agitação elei-çoeira. Mas passará a havê-lo no dia em que acreditardes que os monárquicos em Portugal, embora às vezes participem nas lutas eleitorais, porque têm de aceitar a luta no campo onde ela se oferece, não constituem um partido político.
Deixai que digam o contrário os mal intencionados e os pouco esclarecidos.
Se, em relação aos republicanos, aos socialistas, aos comunistas, e mesmo a certos nacionalistas se pode afirmar que, «de degrau em degrau, se chega a perder, num dado momento, a origem do pensamento que os inspira», tal suspeição não pode ser aplicada aos monárquicos.
Estes, por virtude mesmo, do seu carácter de agrupamento restritamente nacional são insusceptíveis de filiação em qualquer internacional, seja ela maçónica, financeira ou revolucionária.
Reparai até que havendo agrupamentos monárquicos por todo o Mundo, e todos com princípios mais ou menos comuns, não há sombra de ligações internacionais entre uns e outros.
Além disso, não será preciso subir muitos degraus para se encontrar o inspirador das suas atitudes colectivas — O Rei, servidor dedicado, número um, do Interesse Nacional em todos os tempos e sob todos os regimes.
Quando for possível fazer-se a história completa e desapaixonada da última guerra, muitos se admirarão de ter havido Príncipes que nem mesmo em troca da garantia do seu trono, aceitaram pôr-se ao serviço de interesses estrangeiros, com possível afectação do Interesse do Seu País.
Por fim, sei que vós não acreditais na possibilidade de mudança de regime em Portugal, o que está dentro da lógica da vossa posição agnóstica. Pois bem, esse acto de fé não é essencial, de início. Ele surgirá como uma consequência no dia em que considerardes necessária tal mudança. E esta necessidade impor-se-á ao vosso espírito quando tiverdes concluído pela superioridade do regime monárquico.
Para atingires este primeiro elo de tão curta cadeia, basta que, como disse, estudeis e vos interesseis pelas verdades políticas associadas à lição elucidativa dos factos.
Então a vossa adesão, a vossa convicção, os vossos desejos, unidos aos de milhares e milhares, hão-de polarizar-se na vontade decidida de um homem talvez desconhecido mas cheio de fé, a qual será assim accionada em hora de intensa angústia ou de magnífica exaltação nacional.
Estudai-vos a vós próprios e reconhecereis que os vossos sentimentos são mais de antipatia por uma coisa do que de indiferença por todas. O que é bem melhor.»
Prédicas de um Monárquico, Jacinto Ferreira 1957
Fonte: O Manto do Rei
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