sábado, 14 de fevereiro de 2015

Lisboa ao rubro


A elevação do Senhor Patriarca de Lisboa ao cardinalato reveste uma especial importância pastoral para a diocese que apascenta e para a Igreja portuguesa.

São conhecidas as razões históricas que, desde tempos antigos, reservam para o arcebispo de Lisboa a condição de patriarca – a par, no Ocidente, do bispo de Veneza – e a honra da púrpura cardinalícia. Os cardeais são, por assim dizer, o senado do Santo Padre, ou seja, os seus mais imediatos colaboradores no governo da Igreja universal. São também, por inerência, os eleitores do pontífice romano, sempre que se declare a santa sé vacante, por falecimento ou renúncia do papa, e se proceda ao conclave, em que só têm assento e direito de voto os cardeais com menos de oitenta anos.

A nomeação do Senhor Dom Manuel Clemente para o sacro colégio cardinalício é, portanto, uma grande honra para a Igreja portuguesa, que não em vão o escolheu para presidente da sua conferência episcopal, bem como para a diocese de Lisboa, a que preside. Contudo, seria errado pensar nesta elevação apenas em termos de honrarias ou títulos e tratamentos protocolares. Na Igreja, os cargos são, sobretudo, cargas e, portanto, o nosso Patriarca é agora chamado a actuar mais directamente no governo da Igreja universal, quer participando nos trabalhos dos diversos dicastérios romanos, quer ainda através da sua colaboração pessoal nos consistórios convocados pelo pontífice romano.

Se se tiver em conta que está em curso um ambicioso processo de reforma da cúria e dos organismos centrais da Igreja, não será descabido supor que a eleição cardinalícia, nestas actuais circunstâncias, reveste um relevante carácter histórico.

A instituição do cardinalato, embora pertença à tradição eclesial, não faz parte da Sagrada Tradição – como, por exemplo, o episcopado, o presbiterado e o diaconado – ou seja, não corresponde a uma vontade expressa e irreformável do divino fundador da Igreja. Portanto, com a mesma autoridade com que o Beato Paulo VI aboliu as ordens menores e o sub-diaconado, que eram de instituição eclesiástica, também outro papa poderia suprimir o colégio cardinalício que, com efeito, não é essencial à estrutura hierárquica do povo de Deus.

No entanto, parece conveniente que o Vigário de Cristo possa ter, entre os milhares de seus irmãos no episcopado, um grupo selecto de conselheiros que, de algum modo, representem o sentir da Igreja universal. Neste sentido, o Papa Francisco nomeou cardeais alguns bispos de sedes diocesanas a que não era suposta essa dignidade, preterindo dioceses cujo titular era, tradicionalmente, cardeal. Deste modo, o Papa pretende internacionalizar o colégio cardinalício e equilibrar também as representações das diversas Igrejas locais. O primeiro Papa do hemisfério sul está, portanto, a favorecer a internacionalização do colégio cardinalício. Vale a pena não esquecer que a Igreja é católica, ou seja, universal, e que esta sua característica deve estar patente em todos os níveis da sua organização.

Assim sendo, não será temerário afirmar que a eleição do Senhor Patriarca, mais do que a motivos de ordem histórica ou tradicional, obedece a razões de ordem pastoral e pessoal. A Igreja de Lisboa, de que nos honramos de fazer parte, não pode deixar de rejubilar com esta tão grande graça que lhe é dada pelo Santo Padre. Na absoluta certeza de que o Senhor D. Manuel corresponderá fidelissimamente a mais este chamamento do Senhor, resta pedir a Deus que este seu dom ao patriarcado de Lisboa reforce ainda mais a unidade e o dinamismo apostólico de toda a diocese, agora em caminhada sinodal, na renovada obediência e filial afecto ao seu bom Pastor.

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA

Fonte: Voz da Verdade

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