“As pessoas que nunca se preocupam com os seus antepassados nunca olharão para a posteridade”. Edmund Burke
D. Maria II brotou ao mundo no Rio de Janeiro, Palácio de S. Cristóvão, no dia 4 de Abril de 1819. Deram-lhe um longo nome, Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga.
Morreu no Palácio das Necessidades, a 15 de Novembro de 1853, treze horas após o início do trabalho de parto do nado-morto infante D. Eugénio, o seu 11º filho.
Com 15 anos de idade, foi aclamada Rainha de Portugal, após a morte de D. Pedro IV. Em 1835, casa com D. Augusto de Lenchtenberg. Ficou viúva dois meses depois. No ano seguinte casa com D. Fernando de Saxe-Cobrugo Gota.
O reinado de D. Maria coincidiu com um momento fundamental da consolidação da monarquia liberal, sendo marcado por inúmeras vicissitudes como a revolução de Setembro, a Belenzada, a Revolta dos Marechais, a Maria da Fonte e a Patuleia.
Apesar de pressionada para tomar partido na guerra aberta entre partidários da Constituição de 1822 e Cartistas, D. Maria II preservou uma posição de ponderação o que lhe valeu desentendimentos e rancores, mas também contemplação e apreço.
Ao sabor das conveniências e oportunidades alguns políticos mais relevantes, como na atualidade, passavam do vintismo ao cartismo e do cartismo ao vintismo.
Recordemos que a maioria da população – parafraseando o Prof. José Hermano Saraiva – vivia dos campos e da enxada e é no seu reinado, consolidada a paz, que se inicia um período de progresso, a designada Regeneração ou fontismo, iniciado em 1852.
A sua governação merece especial recordação por estar intimamente ligada a Vila Nova da Barquinha e à afirmação dos ideais da liberdade em Portugal.
Façamos um breve enquadramento comercial e às trocas de produtos aqui realizados antes da Barquinha ser Vila.
Até finais do século XVIII, a Barquinha foi um pequeno lugar ribeirinho junto do Tejo, do concelho de Atalaia, tendo a proximidade do rio transformado a localidade num verdadeiro entreposto comercial. Aqui terminavam as estradas que vinham do interior. Sobre este tema vide: https://www.mediotejo.net/a-historia-da-barquinha-e-tambem-a-historia-das-estradas-reais-e-das-suas-pontes-com-o-passado-se-constroi-e-se-projeta-o-futuro-por-fernando-freire/. Os fluxos comerciais entre as Beiras, o Alto Ribatejo e Lisboa faziam-se, principalmente, pelo rio, levando e trazendo permanentemente produtos que aqui eram transbordados, comercializados e levados do e para o interior dos territórios adjacentes. O comércio era, numa primeira fase, feito através do porto de Tancos, ponto de comunicação das províncias do Norte e Alentejo, com a capital, fazendo-se por ali as diferentes transações dos objetos do comércio. O norte da Estremadura e a Beira mandavam gelo, azeite, madeiras, carne de porco, frutas, etc. Recebiam sal, peixe, mercearia, retrosaria, etc. O Alentejo enviava trigo. Entretanto, começaram a fazer-se por Abrantes os negócios do trigo do Alentejo. A Barquinha começou a absorver o comércio do azeite, inteiramente o das madeiras, e também do pão. Pela decadência do comércio de Tancos começou a animar-se o da Barquinha e especialmente nos tempos posteriores ao das invasões francesas. Absorveu este lugar quase todo o comércio de Tancos. As madeiras de castanho, e de pinho, especialmente as primeiras, eram um importantíssimo ramo de comércio da Barquinha. Como, igualmente, a castanha verde, e a seca. (cfr. Histórias e Memórias Academia Real das Ciências de Lisboa, Tomo VIII, parte I, 1820).
Examinemos o relato da Câmara da Barquinha, aquando da morte de D. Maria II, ocorrida em 1853: “SENHOR! Na profunda magoa, em que hoje se vê submergida a desventurada Nação portuguesa, e sobre tudo o sensível coração de Vossa Majestade pela irreparável e sempre sentida morte de Sua Majestade a Senhora D. MARIA II, a Câmara Municipal do concelho de Vila Nova da Barquinha não pode ficar silenciosa, e sem que elevasse à Augusta Presença e conhecimento de Vossa Majestade a parte que toma em tão dolorosa aflição. Não é, Senhor, somente a perda de uma Soberana sem igual, que esta Câmara, e os povos deste município têm hoje a lamentar, mas sim, e também a das virtudes sem par, e de uma incessante solicitude maternal, que num fatal instante lhes foram para sempre roubadas, e que, como a duração do relâmpago, para sempre desapareceu de sobre a terra. Quando a esta Câmara se antolha tão fúnebres imagens; quando a elas se ajunta a dos anos juvenis, que a morte não respeitou em sua Augusta Vítima; quando esta Câmara a si representa as inúmeras atribulações, de que foi traspassado Seu Benigno Coração em tão curto reinado, é então, Senhor, que esta Câmara se vê na maior profundidade das trevas, que hoje enlutam a Nação Portuguesa. Um raio de luz, porém ousa penetrar a sua espessura; oh, e como é brilhante! A virtude tem diferente sede, tem diferente morada superior à terra, que dela não é digna. Somente o Céu a acolhe, e só nele a recebe em perpétuo àquele que a avalia, e nunca deixa de premiar. É ali, Senhor, que esta Câmara, guiada por esse raio de luz, que a virtude da Pranteada Esposa de Vossa Majestade constantemente traçara, ousa, quanto é dado ao ser humano, considera-La como Habitante, e Recompensada pelas Suas obras na terra. No tributo, pois, de lágrimas, que esta Câmara vem hoje depor aos pés do Trono, depõe também a sua firme crença pelo repouso d’Aquella, que outros males a Seus súbditos não deixara mais que a dor (indelével sim), que tão infausto sucesso motivara. Digne-Se, pois, Vossa Majestade dar cordial acolhimento em Seu Régio Ânimo a este desprezível, mas sincero tributo de pranto da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, que fervorosa prece dirige ao Céu para que da Augusta Pessoa de Vossa Majestade arrede a longo prazo o golpe legado à humanidade. Deus guarde a Vossa Majestade muitos anos. Vila Nova da Barquinha, em Câmara de 23 de Novembro de 1853. O presidente, Cristóvão Lopes da Silva, Os vereadores, Manoel Rodrigues Nunes; Manoel Ferreira Silva, Joaquim Honório da Costa. O escrivão da Câmara, António Inácio de Sequeira e Mello.” (Fonte: Arquivo Municipal)
Deveras encómio?
A ligação e protecção de D. Maria II a Vila Nova da Barquinha, durante o seu curto reinado, é, pois, o objecto da presente crónica.
Certo é que há documentos essenciais, antes e depois de 1836, que indiciam este seu favorecimento.
25 de Abril de 1835 – é aprovado o Decreto que autoriza o governo a fazer provisoriamente a divisão administrativa do reino;
18 de Julho de 1835 – é aprovado o Decreto da organização administrativa e da divisão do território, divulgando os 17 distritos administrativos de Portugal e os antigos concelhos, classificados em províncias segundo a antiga divisão;
29 de Setembro de 1836 – Por Portaria é criada uma comissão encarregada da redacção de um projecto de divisão administrativa do reino, servindo-lhe de base os trabalhos enviados pelas juntas gerais dos distritos e os mapas preenchidos pelos párocos;
6 de Novembro de 1836 – é aprovado o Decreto com a assinatura de Dona Maria II e referendado pelo então ministro, Manuel da Silva Passos, mais conhecido por Passos Manuel. Há uma nova divisão administrativa do País. O nosso distrito de Santarém passa a contar apenas 22 concelhos, ou sejam metade dos que, pela anterior reforma administrativa, lhe eram atribuídos: Abrantes, Alcanede, Aldeia da Cruz ou Ourém, Almeirim, Barquinha, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Montargil, Pernes, Punhete, Rio Maior, Salvaterra de Magos, Santarém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Ulme.
Estava, portanto, criado o concelho da Barquinha, passando este a ocupar a área dos suprimidos e antigos concelhos de Atalaia, Paio de Pele e Tancos.
Decerto, dir-me-ão, resultado da sua pujança comercial da Barquinha à data da carta de foral de D. Maria.
Talvez, mas não só …
Recordo que de um lado, tínhamos Dom Pedro I, Imperador do Brasil ou Dom Pedro IV de Portugal, apoiado pela burguesia e por uma elite cultural, letrada e viajada, que tinha bebido as doutrinas libertárias da revolução francesa, donde resultou a célebre trilogia “liberté, egalité, fraternité”. O Imperador representava o liberalismo, corrente política que apareceu em meados do século XVIII, fruto do iluminismo que defendia uma menor intervenção do estado na economia, na sociedade, no livre-cambismo, na liberdade de comércio e nos direitos individuais. Do outro lado, Dom Miguel, absolutista, apoiado pelo clero e pela nobreza. O poder era centralizado no Rei, que é o núcleo de toda a vida política. Dom Pedro, Imperador do Brasil, não podendo assumir a coroa, abdicou na sua filha Dona Maria da Glória, a futura rainha Dona Maria II.
Ora, em posição oposta aos ideais liberais estava a então sede do concelho, Atalaia e freguesias limítrofes, defensores de D. Miguel. Tal facto, contribuiu, sobremaneira, para que esta reconhecesse que habitantes do lugar da Barquinha prestaram distintos serviços à causa da liberdade nacional e à legitimidade do seu trono.
Para essa “motivação política” contribuiu César de Vasconcelos, depois 1.º Conde de Torres Novas, bem como de José Estevam Coelho de Magalhães e Passos Manuel, ligados por uma afeição recíproca ao 1.º presidente, então capitão Manuel Henriques Pirão, que viria a ser o primeiro presidente da Barquinha. Era natural da Sertã. Nasceu em 1790, e faleceu com 78 anos de idade, no dia 21 de Dezembro de 1868, na sua casa, sita na Rua do Sal, Barquinha). Este homem tinha sido um daqueles que apoiou os direitos da Princesa D. Maria da Glória, à coroa de Portugal. Os favores pagam-se e aquelas personalidades não se esqueceram, certamente, do auxílio e da ajuda das pessoas “influentes” do lugar da Barquinha na luta fratricida nos anos de 1828 a 1834, ocorrida entre liberais e absolutistas.
25 de Dezembro de 1836 – Primeiro auto da Câmara com a designação do concelho da Barquinha.
10 de Fevereiro de 1837 – Escolha do secretário da Câmara.
19 de Junho de 1837 – Necessidade e decisão de se mandar fazer um edifício para Casas da Câmara e Cadeias deste concelho da Barquinha.
14 de Julho de 1837 – Lançamento da 1.ª pedra no novo edifício das Casas da Câmara e Cadeias deste novo concelho da Barquinha.
27 de Agosto de 1837 – Convocação dos cidadãos que são conhecidos por seu zelo, patriotismo e possuíram bens para se contrair um empréstimo destinado ao pagamento das obras de construção do novo edifício da Câmara e Cadeias do Concelho. Apesar do recurso a várias fontes de financiamento e verificando-se um deficit nas contas públicas decidiu a Câmara criar um imposto de 20 réis por carro de bois de fora do concelho que viesse deixar ou receber carga aos portos da Barquinha. Solução miraculosa para combater o deficit público da época. Consabido que naquele tempo, segundo factos históricos, entravam no nosso concelho milhares de carros de bois por ano, (as populações que ficavam entre o Zêzere e Mondego – por não haver ponte – faziam por este porto o seu comércio) foi simples fazer o equilíbrio das finanças públicas em pouco tempo e erguer o novo edifício à conta da introdução de portagens na nossa terra. Cessada a razão de ser de tal imposto, veio o mesmo a ser abolido passado pouco tempo.
1 de Dezembro de 1837 – Representação dos habitantes da Moita e Pedregoso pedindo para pertencerem à nova freguesia de Santo António da Barquinha e por motivo de proximidade, comércio e tráfico marítimo.
21 de Dezembro de 1837 – Portaria mandando dividir a freguesia de Atalaia.
27 de Dezembro de 1837 – Posturas Municipais de Vila Nova da Barquinha, documento composto por 70 artigos. Devo evidenciar o trabalho hercúleo que implicou a junção das posturas municipais de 3 concelhos (agora extintos) e a mestria do trabalho realizado em as conseguir unificar.
Ler artigo completo em:
https://www.mediotejo.net/a-barquinha-e-a-sua-rainha-predileta-por-fernando-freire/
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