Bom, “aquilo” não teve ponta por onde se pegue e foi uma vergonha inominável. E qualquer semelhança entre o que se passou e uma entrevista, ou outro acto de jornalismo, é pura coincidência…
Saíram todos mal na fotografia. Em primeiro lugar a estação televisiva que é do Estado e sustentada com os nossos impostos, deu um péssimo exemplo e até hoje não fez um “mea culpa” sobre o sucedido (aos espectadores e ao entrevistado) e não exerceu qualquer sanção relativamente ao “entrevistador”, João Adelino Faria, de sua graça. Este andou mal a todos os títulos; comportou-se como se estivesse num ringue para um combate de luta livre, onde valia tudo incluindo arrancar olhos.
Fazia perguntas em catadupa, interrompia, dava palpites, nunca deixava o entrevistado acabar uma ideia; passou o tempo crispado, tenso e a fazer esgares. Um desastre de incompetência; desvario; falta de profissionalismo e maldade!
Foi para isto que o Governo brindou os (alguns) órgãos de comunicação social com quinze milhões de euros de “compensação” (?) por causa da história mal contada do Covid?
E que é feito da Entidade Reguladora para a Comunicação Social? Não deu conta de nada errado? E os Provedores dos Leitores também não sentiram necessidade de intervir?
O Sindicato dos jornalistas?
Partidos Políticos, ONG’s, Observatórios, etc., cuja existência é a perder de vista, nada? O SOS Racismo, não encontra racismo na coisa? Os diferentes clubes de “Verdes” não registaram nenhuma alteração climática na cena? Os “animalistas” não protestam contra a “tourada” havida?
Pois é. É o vale tudo que confundem com Democracia…
Finalmente andou mal o próprio entrevistado, no sentido em que entrou no jogo de quem o estava a “entrevistar”, querendo falar mais depressa do que o antagonista; interrompendo-o também, resultando tudo numa chicana e péssimo exemplo para todos.
Qualquer entrevistado perante uma atitude incorrecta de um jornalista, só tem que calmamente o meter na ordem e dizer-lhe que não admite atitudes destas e que o jornalista se deve limitar a fazer perguntas e a ouvir as respostas. É uma questão de princípio.[2]
Ventura poderá até pensar, que tem “pedalada” para se bater com qualquer jornalista e aguentar-se, mas tal é errado não só pela questão de princípio enunciada, como ninguém consegue passar qualquer ideia ou mensagem que seja perceptível, num ambiente daqueles. Além disso pode aparecer-lhe alguém que lhe passe a perna…
Se não tivesse visto não acreditava, apesar de já nada me admirar.
Os órgãos do Estado – ocupados desde 1974 por gente dos Partidos e não de instituições nacionais verdadeiras e representativas – nomeadamente o PR, AR e Governo (que são quem permitiu que a desbunda chegasse a tanto), têm de legislar no sentido de colocar a Comunicação Social no âmbito e comportamento que deve ter. E tal começa na Constituição da República e nas leis que dela derivam. A Comunicação Social e os seus profissionais não podem andar em roda livre e fazer o que querem ou terem os comportamentos que lhes vierem à cabeça. Tem de estar regulada, prestar contas e cumprir a Lei. E a Deontologia (ou seja a Ética – que é “a ciência do Bem”, aplicada à profissão) deve ser levada a sério. Dizia Gabriel Garcia Márquez que “ a Ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”, pois se assim não for, acrescento eu, passa Edward Eggleston a ter razão quando afirma que “o jornalismo é uma fofoca organizada”…
O Código Deontológico dos jornalistas existe (embora seja desconhecido da maioria da população) e até é exigente – foi revisto no 4º Congresso dos Jornalistas, em Janeiro de 2017, e aprovado em referendo ocorrido entre 26 e 28 de Outubro, do mesmo ano. Mas a avaliar pelo que se lê, vê e ouve, diariamente, tal código deve ser o documento mais desconsiderado e ignorado que há no país…
Um jornalista não é um ser apolítico mas não deve fazer política partidária, ou defender ideologias, religiões, influenciar a Justiça, etc., no exercício da sua profissão a não ser em órgãos devidamente identificados como defensores dessas ideias. E o inaudito despudor de muitos, se arrogar pertencer ao “quarto Poder” (em acrescento aos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial), tem de acabar e ser-lhe posto um ponto final; não nasceram de direito natural, nem ninguém os nomeou ou elegeu para tal!
E se não deve haver “censura” (a não ser em casos previstos na lei) também “eles” não devem poder censurar – a que por vezes apelidam eufemisticamente, como a “escolha por notícias relevantes”- ou auto censurar-se (“um editor de jornal é alguém que separa o joio do trigo – e publica o joio”, no dizer de Adlai Stevenson…).
Um jornalista existe para dar notícias, não para as adjectivar. Tão pouco deve expressar/denunciar os seus sentimentos através da sua voz, expressão ou postura corporal.
Deve ser objectivo tanto quanto a sua condição de humano e profissional o permite e exige. Já chegam as “técnicas” de utilização da escrita, do som, da imagem, e da retórica para tentar “influenciar” o público, ainda acrescidos das técnicas de propaganda e das “mensagens subliminares”. Ora tudo isto virou uma salganhada e não é irrelevante o dito de Bismarck, “jornalista é uma pessoa que errou a sua vocação”...
Não seria ainda despiciendo ver o estado do ensino dos profissionais da Comunicação Social e sua selecção.
Ou será que se vai ficar à espera que aconteça novamente, o que ocorreu há cerca de dois meses nos EUA onde as principais estações televisivas se conluíram, e desligaram a emissão quando o Presidente falava ao País? Uma atitude de gravidade extrema que, a avaliar pelas reacções havidas ou falta delas, a generalidade do público terá achado a coisa mais natural do mundo!
Eça, que também foi jornalista, devia saber do que falava.
Tirem-me deste filme pois tudo isto é mau demais para ser verdade. E, no entanto, é verdade.
Não me atrevo a desejar-lhes um bom ano pois sei de ciência certa (a não ser eventualmente, no plano pessoal), que tal não vai acontecer.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] Efectuada no pretérito dia 15 de Dezembro.
[2] Neste particular o Dr. Santana Lopes, há uns anos atrás, procedeu bem, deixando a jornalista da SIC Notícias, a falar sozinha, por causa de uma desconsideração (interromperam a entrevista para mostrarem imagens de José Mourinho, que acabara de chegar ao aeroporto de Lisboa), abandonando o estúdio de imediato, após explicação.
Fonte: O Adamastor
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