sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Não há nem mistério, nem fascismo no Alentejo

 



A respeito das infelicíssimas declarações de Malato sobre os alentejanos, acusando-os de fascistas, importa que façamos um breve e esclarecedor exercício.


Do saudoso Manuel Inácio Pestana, este magnífico trabalho lê-se numa hora e oferece uma das facetas mais marcantes do Alentejo, essa região misteriosa que se fecha sobre si e será certamente a única do país que nos oferece a ilusão de uma grandeza territorial que Portugal não possui. O importante, o que habitualmente escapa ao observador mais distraído, é o facto de o nosso Alentejo ser a única região portuguesa que oferece uma organização social fundada num sistema familiar comunitário que se estruturou historicamente na acumulação de duas experiências históricas marcantes: aquela nascida da interferência do Islão e, depois, a de haver sido durante mais de 600 anos território administrado por ordens monástico-militares ou concedida a famílias senhoriais muito imbricadas com o povo. Ali, só muito tardiamente se conheceu a "propriedade privada", pelo que a entrada de rompante dos senhores liberais foi um traumatismo de que os alentejanos nunca terão recuperado. Antes de 1834, o celeiro, o forno, os moinhos, as terras de pasto, as azenhas e a lenha eram franqueados a todos os camponeses e foreiros. O regime de facto comunitário sob supervisão religiosa oferecia tecto, fogo, trabalho, escola eclesial, assistência espiritual e a enfermaria, pelo que o Alentejo terá sido certamente a região menos individualista, a mais solidária e socialmente mais envolvente e protectora.


Não esquecer que, por alguma razão, foi o último baluarte do Antigo Regime e da causa miguelista. Os senhores liberais vindos de Lisboa arrasaram tudo isso, erigiram cercas e muros, puseram fora os bons padres e reduziram a população a proletários rurais jornaleiros. Sem a Igreja, o alentejano perdeu o vínculo à religião formal, mas desviou a sua religiosidade para uma espera paciente do retorno a uma era de paz, dignidade e respeito que o mundo lhe negava. A adesão ao PC terá certamente esse cunho de realização da atormentada espera. Pobres, frugais, pacientes e muitas vezes resignados, os alentejanos não terão sido recompensados pela lógica política de um regime estribado no peso do voto, pelo que o PC os terá lentamente trocado por outras mais apetecíveis coutadas eleitorais, nomeadamente a cintura industrial de Lisboa e as caóticas urbanizações que envolvem Lisboa (Cacém, Loures, Odivelas, Amadora).


Empobrecidos, abandonados e deprimidos, os alentejanos viraram-se anteontem para Ventura, não por serem fascistas, odiosos e malsãos, mas por terem sido postos de parte e transformados em ultraperiferia económica e política do país. Há que saber encontrar as razões, em vez de despender disparates dignos de galináceos.
No dia em que os alentejanos fixarem um partido, votarão comunitariamente, compactamente e sem objecções no novo aliado.


MCB


Fonte: Nova Portugalidade

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