Albuquerque nunca foi querido. Há desde sempre - podemos dizê-lo - um “partido anti-Albuquerque” em Portugal. “Mal com el-rei por amor dos homens, mal com os homens por amor de el-rei”, o célebre desabafo de Afonso de Albuquerque exprime com eloquência a relação que nós, portugueses, mantemos desde o século XVI com o Leão dos Mares. Na galeria dos grandes vultos portugueses que deixaram sulco na história mundial, parece haver consenso a respeito do Infante, de Bartolomeu Dias, de Vasco da Gama e de Pedro Álvares Cabral. Tal não se aplica, decididamente, ao grande Albuquerque. Há que lembrar que o conquistador de Goa, Malaca e Ormuz – o verdadeiro fundador do império português no Oriente – foi invejado e denegrido em vida e que, caso não tivesse morrido à vista de Goa antes de regressar ao Reino, não teria sido certamente recebido como um herói.
A história é, pois, velha, e após a sua morte o seu nome foi intencionalmente esquecido pelos contemporâneos. Foi necessário esperar meio século pela sua reabilitação. Coube ao seu filho Brás de Albuquerque a publicação, em 1576, dos Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, Capitão-Geral que foi das Índias Orientais, obra que retirou do esquecimento aquele a quem Portugal ficara a dever a concepção, racionalidade e viabilidade do chamado Estado da Índia, ou seja, do vasto império entre o Cabo da Boa Esperança e o Estreito de Malaca.
Só em finais do século XIX, mercê da publicação dos sete volumes das Cartas de Afonso de Albuquerque, trabalho monumental de localização e transcrição realizado por Bulhão Pato e Henrique Lopes de Mendonça, se ganhou real consciência da importância decisiva que o Vice-Rei da Índia tivera e de quanto o país lhe ficara a dever. No quadro das celebrações em torno da chegada dos portugueses à Índia (1498-1898), Albuquerque ascende não só a grande herói nacional, como a objecto de interesse historiográfico. Contudo, persistiu sempre uma certa má vontade. Albuquerque empunhara a espada, conquistara e derramara sangue, pelo que entre nós ainda haja quem, de forma anacrónica tente julgar os valores e a conduta de um homem nascido no século XV como se de um contemporâneo nosso se tratasse. Sejamos claros: se Portugal evoca ainda hoje na Ásia a ideia de potência, devêmo-lo a Albuquerque. Num tempo em que Portugal e as restantes nações se debatem com a chamada crise das identidades, o lugar e o papel que os heróis históricos desempenham no fortalecimento da consciência nacional é importante.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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