A descoberta para o mundo ocidental das maravilhas de Angkor, um dos mais impressionantes conjuntos de ruínas de todo o mundo, é erradamente atribuída ao francês Henri Mouhot, em 1860. Todas as enciclopédias trazem escarrapachada esta enorme mentira, inclusive as enciclopédias que se publicam em Portugal.
Poderia citar aqui vários exemplos de textos de cronistas portugueses dos séculos XVI e XVII que se referem à descoberta destas ruínas e as visitas a elas efectuadas por vários religiosos e aventureiros portugueses, mas limito-me a transcrever um trecho do livro Ethiopia Oriental, de Frei João dos Santos, datado de 1609, escrito, portanto, duzentos e cinquenta e um anos antes da tão apregoada «descoberta» de Mouhot.
Ei-lo: «No tempo em que o P. Fr. Silvestre andava no reino de Camboja, se descobriu uma cidade, a que chamam Angor, situada a duzentas léguas pela terra dentro, começando a contar da entrada do rio; a qual estava despovoada, cheia de mato e erva, e habitada de bestas feras.»
Depois de nos descrever com pormenor as características da imponente estrutura, o dominicano Frei João dos Santos salienta que «nunca se soube da fundação desta cidade, nem da causa porque se despovoou, que é uma coisa admirável, e muito mais não haver pedra em todo este território, e haver-se de trazer para este edifício dali a trinta léguas, onde somente há pedra com que se podia edificar», para finalizar dizendo que «o rei de Camboja se passou com a sua corte e nela vive» e que «os nossos religiosos estiveram nela, e os capuchos de S. Francisco, que me contaram estas coisas, e muita gente da Índia que vive nela».
Ora, se considerarmos que o Frei Silvestre aqui citado é contemporâneo de Frei Gaspar da Cruz – o primeiro religioso português a visitar o Camboja e reinos circundantes –, que estaria em Malaca entre 1550-1560, podemos deduzir que os portugueses tinham tido contacto com Angkor ainda nos meados do século XVI, praticamente três séculos antes da visita do francês que ficaria com os louros da sua descoberta. Na verdade, Frei António da Madalena terá sido a primeira pessoa a revelar a existência das ruínas de Angkor Wat ao mundo ocidental.
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