Conta a lenda que a Batalha de Ourique foi o momento decisivo da independência do pequeno condado portucalense e que, no fim da peleja, D. Afonso Henriques foi ...
...aclamado pelos combatentes como Rei.
Era noite. Véspera de batalha.
Os guerreiros tentavam descansar. Nas coloridas tendas mouras o movimento fora intensíssimo durante todo o dia. De cinco reinos havia chegado homens aguerridos, decididos a não deixar progredir o pequeno exército dos cristãos. Tinham vindo muitos de Sevilha e de Badajoz para se juntarem à hoste composta por gente de Elvas, Évora e Beja. Diz-se mesmo que tinha vindo gente de além-mar. Durante o dia, não tinha havido descanso para ninguém. As setas tinham sido cuidadosamente afiadas e guardadas nas aljavas. Os velozes alfarazes da cavalaria moura tinham tido ração suplementar e relinchavam respondendo aos puros-sangues árabes dos grandes senhores que, impacientes, esperavam pela acção, pelo combate. Enfim, era noite e a algazarra que pairava todo o dia sobre o arraial esmorecera um pouco e só se ouvira como que um zunir de moscas. No acampamento cristão pairava o silêncio. Também os ginetes da guerra estavam prontos e impacientes, as espadas tinham sido afiadas, os peões haviam experimentado as bestas para que tudo corresse como desejavam. Os guerreiros descansavam nas tendas, recostados em leitos improvisados com as peles dos animais mortos, lá mais ao norte, nas selvas que bordejavam as suas tendências e propriedades.
Também Afonso Henriques estava recostado na sua tenda. Dera ordem para que ninguém o incomodasse. Não conseguia dormir. Pensava na batalha do dia seguinte, na enorme cópia de gente moura contra a sua minúscula hoste.
Corria até que o exército árabe tinha uma ala de mulheres guerreiras... Mas, era necessário vencer... Deus se encarregaria de se mostrar ao infiel o seu poder pelo braço do guerreiro. Semi-adormecido, apareceu-lhe como que um sonho, um ancião. Fez sobre ele o sinal-da-cruz, chamou-lhe escolhido por Deus e alertou-o da batalha. Entretanto, apareceu-lhe um escudeiro, que vinha dizer-lhe que estava ali um velho que queria falar-lhe com muita urgência: Afonso Henriques viu, diante dos olhos, bem despertos, o velho do sonho:
- Tu, outra vez? Quem és afinal, ancião? O que me queres?
-Quem sou não interessa... Acalma-te e ouve o que venho dizer-te da parte de Jesus, Nosso Senhor: daqui a instantes, quando ouvires tocar os sinos da ermida onde há já sessenta e seisanos vivo, deves sair do arraial, só e sem testemunhas. É isto o que ele manda dizer-te! Antes do guerreiro abrir a boca, o velho desapareceu na noite, sem deixar rasto. Daí a instantes, soou, efectivamente, o sino da ermida e Afonso Henriques pegou na espada e no escudo, com gesto quase automático, saiu da tenda embrenhando-se na noite, sem destino, só, como lhe fora recomendado. Subitamente, um raio iluminou a noite e de dentro dele saiu uma cruz esplendorosa. Ao centro estava Jesus Cristo rodeado de anjos. Afonso Henriques, ajoelhado, deixou-se ficar boquiaberto, sem saber o que dizer, sem se atrever a quebrar o instante, até que dentro de si, ouviu Jesus dizer-lhe:
- Afonso, confia na vitória de amanhã. Confia na vitória de todas as batalhas que empreenderes contra os inimigos da Cruz. Faz como a tua gente que está alegre e esforçada. Amanhã serás rei...
Apagou-se o céu e a visão celestial desapareceu, como viera. No dia seguinte a batalha foi terrível. Os mouros eram aos milhares e avançavam ferozmente contra os guerreiros de Afonso Henriques.
Ao Primeiro embate muitos homens caíram no chão trespassados pelas lanças. Puxou-se então por espadas e alfanges e a planície foi invadida por um tinir de ferros misturados com a gritaria de toda aquela multidão e os relinchos doloridos dos cavalos feridos. Durante muito tempo, foi um verdadeiro inferno. Os guerreiros cristãos, porém, levaram a melhor. Os mouros sobreviventes, fugiram pela planície fora, deixando os cadáveres naquele imenso chão. Do lado cristão também eram muitos os mortos e feridos, mas os sobreviventes proclamavam a vitória, gritando:
- Real! Real! Por Afonso, Rei de Portugal!
Diz a tradição que nesse momento e em memória do acontecimento, o rei pôs no seu pendão cinco escudos, representando os cinco reis mouros que derrotara. Pô-los em cruz, pela cruz de Nosso Senhor e dentro de cada um mandou bordar trinta dinheiros, que por tanto vendera Judas a Jesus Cristo. Esta é a patriótica lenda com que os portugueses quiseram perpetuar um facto que na realidade foi bem diverso.
Fonte: Instituto de Estudos de Literatura Tradicional
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