quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A destruição do Palácio da Ajuda

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Definitivamente liquidado o seu parente carioca, o que neste momento está a suceder na Ajuda, embora nem de longe possamos comparar com o desastre de ontem, merece contudo um rápido comentário. A adulteração arquitectónica do maior e mais conseguido edifício neoclássico de Lisboa, consiste num erro e num abuso de confiança. 

O erro consiste no querer mostrar obra seja da forma que for, nem sequer tomando em consideração a dignidade que aquele vasto conjunto mereceria num país com mais de oitocentos anos de história. Já tendo sido despojado de uma parte do seu espólio mercê de algumas vicissitudes quando nele se encerrou a vigência da mais longeva e significativa forma de representação do Estado português - precisamente aquela que o fundou, consolidou, expandiu e espalhou o nome Portugal de Ceuta a Nagasáqui -, esteve longas décadas fechado, mantendo longe da vista de nacionais ou turistas estrangeiros, preciosidades que no seu conjunto oferecem uma visão muito consistente dos interiores palacianos do século XIX, para além de conter algum mobiliário que sendo anterior, pode ser facilmente identificado como tendo participado em alguns eventos bem conhecidos. Cabe neste âmbito, por exemplo, o conjunto de cadeirões que terão adornado os aposentos do Príncipe Regente na nau que levou a bom e seguro porto, a sede da soberania portuguesa para a sua então enorme possessão ultramarina além-Atlântico.

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Nem sequer dando especial destaque a trágicos episódios como o estranhamente escabroso roubo das Jóias da Coroa, sabe-se que durante a 2ª república o regime retirou algumas peças que foram decorar embaixadas portuguesas, numa atitude consentânea com a tradicional displicência com que as nossas autoridades tratam o património que é de todos, mesmo daqueles que o desconhecem. 

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Hoje o espaço conta com uma direcção-conservadoria que para além de uma rotineira carência de verbas, tudo tem feito para o prestigiar, embora o entorno mantenha aquele típico aspecto de semi-abandono que mesmo visivelmente reconhecido como tal, ainda oferece cenários de que o regime das auto-estradas e dos centros comericiais se aproveita para as suas ocasiões especiais onde se alaparda numa grandeza postiça, que nunca teve. Vivemos tempos de mero exibicionismo e como tal deve ser entendido o acrescento que está a erguer-se a poente, onde o projecto cada vez mais nos fará lembrar um enorme radiador para dias invernosos, ou aquele poste que desde logo chama a atenção do ocasional canídeo que no seu giro higiénico, ali deixa a sua mensagem molhada para que outros a farejem. Muitas formas há de destruir um edifício, especialmente se este fizer parte da história. A adulteração arquitectónica é uma delas, talvez a pior de todas, um abuso de confiança.

Mentem, mentem e mentem, mesmo que isso signifique o esbanjar de milhões que irão buscar aos bolsos habituais, sejam eles portugueses ou de visitantes estrangeiros e neste último caso, as famosas taxas e taxinhas. Uma anunciada despesa de dúzia e meia de milhões para uma enorme fachada a forrar com pedra, vidraria, três ou quatro andares, sistemas de segurança anti-roubo e contra incêndios, iluminação, dois cofres-fortes que protegerão o que resta das peças de joalharia e a prataria outrora de serviço à Casa Real, elevadores e monta-cargas, o que quiserem imaginar. Tudo como se fosse adquirido na loja chinesa do bairro, ao preço de mega-saldo. Isto para nem sequer abordarmos o pagamento devido à mão de obra especializada para as mais diversas tarefas a executar.

Quem acredita nisto? Dois tipos de pessoas: os tolos e os arregimentados participantes ou não em esquemas mais ou menos nebulosos. 

Nuno Castelo-Branco

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