Estudioso ilustre, soldado temível, hábil navegador, D. João de Castro tinha um talento fora do comum. Interessava-se pelas ciências, matérias navais e matemática, destacando-se no estudo da astronomia náutica e da geografia física. Impôs, de forma inovadora, a associação entre o cálculo e a experiência empírica. Um verdadeiro experimentalista. “Os trabalhos que fez na década de 30 do século XVI trazem muita novidade”, garante Henrique Leitão, investigador do Centro de História das Ciências, da Universidade de Lisboa. “Consegue libertar-se da herança clássica intelectual e olhar para o estudo da natureza com grande modernidade.”
Oriundo da alta nobreza, D. João de Castro opta cedo pela carreira militar. Aos 18 anos inicia-se na arte da guerra em Tânger, onde serve durante nove anos com tal valentia que é armado cavaleiro pelo governador da cidade, D. Duarte de Meneses. Também o imperador Carlos V quis armá-lo cavaleiro em 1535 pelo seu importante papel na expedição de Tunes, mas D. João de Castro recusou. O navegador comandou uma caravela e foi um dos principais conselheiros do capitão-mor da armada portuguesa.
Chegou à Índia pela primeira vez, como soldado, com o cunhado D. Garcia de Noronha, que tinha sido nomeado vice-rei da Índia. Mas com a morte deste, D. João de Castro viu-se na expedição ao mar Roxo com o novo vice-rei, D. Estêvão da Gama. Partiu para Suez, como capitão, em 31 de Dezembro de 1540. Da viagem fez um roteiro pormenorizado, com todas as experiências, e ofereceu-o ao infante D. Luís. “De Goa a Suez ou Roteiro do Mar Roxo”, de 1541, é um dos três célebres roteiros. Os outros são “De Lisboa a Goa”, de 1538, e “De Goa a Diu”, de 1538-1539. Autênticas obras de registo de dados e reflexão filosófica, que mostram o que de melhor se produziu no meio náutico português. Evidenciam, como nunca, a ligação da teoria à prática. “Durante as suas viagens marítimas fez um conjunto muito interessante de observações com metodologia moderna”, diz Henrique Leitão. D. João de Castro enuncia algo de novo. Influenciado pelo brilhante matemático Pedro Nunes, confronta dados empíricos e raciocínio hipotético, elabora desenhos de planos hidrográficos e cartas geográficas que ajudam a elucidar os textos, sempre com o objectivo de aperfeiçoar a navegação.
D. João de Castro conquistou a admiração de todos pelos seus serviços. Foi nomeado sucessor de Martim Afonso de Sousa, 13.º governador da Índia, para onde partiu com os dois filhos, D. Álvaro e D. Fernando, que acabou por morrer lá. D. João de Castro preparou a armada e chegou a Goa no início de Setembro de 1545.
Travou várias guerras com sucesso. Defendeu os interesses portugueses no Oriente com empenho e determinação. “D. João de Castro é um campeão a lutar contra os graves problemas de corrupção que lá existiam”, afirma o investigador. A certificar a sua honra e compromisso com o rei, reconstruiu as defesas portuguesas na costa ocidental indiana com dinheiro que pediu à Câmara de Goa, penhorando os ossos do filho e a sua barba, a única garantia que lhe restava. “Teve uma grandeza de carácter que impressiona. Uma honestidade exemplar. Colocou sempre os interesses da administração à frente dos seus interesses pessoais”, acrescenta. De volta a Lisboa, foi recompensado com o título de vice-rei, em 1547, mas não chegou a gozá-lo. Morreu, pouco tempo depois, cansado de tantas guerras travadas.
Aquando da hora da sua morte dirigiu estas palavras aos seus companheiros:
Aquando da hora da sua morte dirigiu estas palavras aos seus companheiros:
«Não terei, senhores, pejo (vergonha) de vos dizer, que ao vice-rei da Índia faltam nesta doença as comodidades que acha nos hospitais o mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo quis empenhar os ossos de meu filho, e empenhei os cabelos da barba, porque para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que os soldos de seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai de tantos filhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença me ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós determinada, que com modesta taxa me alimente».
Guilherme Carinha
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