sexta-feira, 28 de setembro de 2018

SABIA QUE

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Existe uma colina arenosa, perto dos campos de Alcácer-Quibir, onde se diz estar lá enterrado um «terrível cristão» que tantos estragos fez entre a moirama que em mais de quatro séculos mouro que passa lança-lhe uma pedra em sinal de respeito? É curioso de como parece que, em Marrocos, mesmo nos dias de hoje, há mais respeito pelos soldados luso-quinhentistas do que se vê no presente em Portugal. Como dizia o alcaide Hazem, que fugiu da batalha durante o "minuto vitorioso" dos portugueses; «eles eram poucos, mas pareciam muitos», quando se referindo ao exército de Dom Sebastião.

O respeito lá é tanto que até mouros sebastianistas existem... No final da batalha, após aquelas seis a sete horas de confronto, mouras vindas de Alcácer & Larache, às vezes de cinco a dez viúvas de um só marido, banharam com o seu pranto o minuto final, recolhendo os mortos e feridos de ambos os bandos.

Mas a maior prova de respeito vem nas declarações dos cronistas árabes, quando referem nas suas próprias palavras que esta batalha «nos proporcionou maior número de mortos que os que tiveram os cristãos, e nos trouxe uma vitória passageira».

Ainda hoje, na cidade de Fez, perdura a lenda de Lála-Aícha, mãe do imperador, que se apaixonou por Dom João de Portugal e quis converter-se ao Cristianismo para se unir com ele. Custou-lhe a cabeça.

É de facto curioso de como algumas derrotas conquistam mais do que certas vitórias. É unânime entre os historiadores de maior renome de que o confronto em Lepanto, ainda que estrondosamente vitorioso para a Santa Liga, não atingiu resultados significativos para o que pretendia, devido ao facto de que as investidas das armadas dos turcos não cessaram, e na África Ocidental, a única posição cristã segura eram as praças portuguesas em Marrocos.

Por este motivo, criou-se entre os turcos um crescente interesse na hegemonia do mediterrâneo ocidental. Para tal, precisavam de expandir-se para Marrocos, zona de influência lusa.

A ascensão ao trono do Sultão Murad III levou os otomanos ao desejo de se expandirem mais para o Norte de África, onde se encontravam os portugueses, que já tinham expulsado os turcos do Oceano Índico, mas ainda assim sofriam constantes investidas dos mesmos, ainda que sem sucesso para os muçulmanos.

Foi por este motivo que Portugal não aderiu à Santa Liga, pois estava o Reino ocupado em conter os turcos no Oceano Índico. A Polónia seria totalmente tomada pelos muçulmanos, através da subida ao trono de um rei seu aliado, a frota turca havia chegado à Calábria, avançavam inclusive pelo mediterrâneo, tendo recuperado Bizerta, Goleta e até Tunes, onde os portugueses ajudaram Carlos V na sua conquista, anos antes.

Se continuassem os turcos a sua expansão para Oeste, como pretendiam, poderiam invadir Portugal.

Foi por este motivo que Dom Sebastião liderou duas campanhas em Marrocos, e ainda que na última tenha acabado derrotado, tais foram o número de baixas infligidas ao exército inimigo que estes desistiram do seu avanço para a região.

Segundo Jorge Borges de Macedo, o falhanço da ocupação turca muito ficou a dever-se a Dom Sebastião.

Enquanto que a vitória de Lepanto apenas retardou o avanço dos turcos, a derrota em Alcácer-Quibir acabou definitivamente com a sua ocupação.

É importante perceber que Dom Sebastião foi chamado a Marrocos pelo legítimo soberano ao seu trono, depois de deposto pelos otomanos, o que ameaçaria a hegemonia lusa.

Como tal, não vejo motivos aparentemente nenhuns para nos envergonharmos das campanhas de Dom Sebastião.

Mesmo que o resultado não tivesse sido uma vitória estratégica - como foi - seria suficiente apenas a bravura demonstrada no campo de batalha.

Portanto, porque é Dom João da Áustria tão celebrado enquanto que Dom Sebastião caiu no esquecimento ao ponto de ser malignamente desprezado por todos?

Aconselho aos curiosos a lerem as obras de Luís Costa e Sousa para um melhor entendimento sobre o desenrolar do confronto - não se arrependerão, assim como a obra "O Minuto Vitorioso de Alcácer-Quibir" de José de Esaguy.

Ricardo da Silva

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