Causará decerto estupefacção a quantos nos visitam que o Portugal actual pareça ter em tão pequena conta o seu passado, tudo parecendo reduzir às últimas décadas - décadas, aliás, que foram de emigração em massa, empobrecimento face à Europa e insignificância europeia e mundial, e cuja auto-celebração, por isso, só pode deixar-nos com um sabor amargo na boca. Essa tendência geral é ilustrada pelo aeroporto de Lisboa, entretanto pomposamente renomeado "Aeroporto Internacional Humberto Delgado".
Ora, cremos que a relação dos portugueses com a História deve ser tão ampla, saudável e liberta de ideologias quanto possível. Humberto Delgado foi, certamente, figura relevante no desenvolvimento da aviação civil portuguesa no século XX. Mas poderá Portugal admitir ter a dar nome ao aeroporto da sua capital uma figura, apesar de tudo, de segunda linha, de dúbio carácter, e ardente admirador, até, de Hitler e do nazismo quando contemporâneo daquele? Só muito dificilmente, e apenas, talvez, se Portugal e o espaço português não tivessem oferecido aos livros de História da Aviação tantos nomes incomensuravelmente maiores.
Porque os regimes não devem celebrar-se a si mesmos nem o tributo público estar dependente de ideologias, e sempre e só ao serviço do país, mais sentido faria que o Aeroporto de Lisboa tomasse o nome de Bartolomeu de Gusmão, pioneiro da aviação e inventor do primeiro balão de ar funcional da História. Nascido no Brasil português, mestiço, grande figura das nossas ciências, o seu nome marcaria o carácter aberto da nação portuguesa, assim como o alcance mundial da sua cultura. E, para o nascente aeroporto do Montijo, porque não Gago Coutinho, autor com Sacadura Cabral daquele que foi o primeiro vôo a cruzar o Atlântico Sul e a unir a Europa ao Brasil? Eis o que faria uma democracia adulta: reconheceria os seus maiores e deixaria a pequena mitologia de legitimação do poder para trás.
Fonte: Nova Portugalidade
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