Em Singapura, praça-forte do poder britânico no estreito de Malaca, os luso-descendentes revelaram grande capacidade de adaptação ao novo quadro asiático dominado pelo imperialismo da Union Jack. Singapura nasceu de uma insignificante aldeia piscatória e desde os primeiros momentos coube a mestiços católicos luso-descendentes parte importante na invenção de uma cidade.
Embora subsistindo densa névoa sobre o lugar e importância dos portugueses na vida da cidade na sua primeira fase de existência, o que se sabe é que, ao lado de Raffles – o fundador inglês da cidade - estiveram alguns portugueses desde os primeiros dias. Cláudio Queirós, Tomás Ferrão e José de Almeida estavam na ilha no início da década de 1820. Precisando de povoar a recente aquisição da Coroa britânica, Raffles pediu a Almeida que angariasse todos os esforços para atrair a Singapura as comunidades católicas luso-descendentes de Malaca, Kedah e Penang. O número de portugueses não parou de crescer. Em 1824, entre 18 mercadores inscritos, um era português, mas cedo outros foram atraídos pela perspectiva de lucros chorudos.
O grande animador da constituição da comunidade foi, sem dúvida, José de Almeida (1784-1850), médico-cirurgião naval nascido em S. Pedro do Sul (Portugal) que se estabelecera em Macau no início do século XIX e aí casara com uma macaense. Sabe-se que, enquanto sócio capitalista da Casa de Seguros Mercantil, viajou para Calcutá diversas vezes em representação da empresa. Os lucros aí realizados foram investidos na compra de terrenos em Singapura. Porém, os acontecimentos políticos em Macau – episódio no enfrentamento entre liberais e legitimistas que se iniciou em Portugal em 1820 e terminaria em 1834 com o triunfo do Liberalismo – forçaram-no a procurar refúgio em Singapura.
Fixou residência na praça central da localidade, abriu consultório médico e uma loja, mas desde cedo se dedicou a investimentos agrícolas. Em 1837 fundou a Horticultural Society, que foi viveiro de experiências mais ou menos bem-sucedidas. Nas suas propriedades implantou as culturas da cana-de-açúcar, baunilha, algodão e frutos, tratando de aclimatar espécies existentes na China. Se as suas experiências como agrónomo ad-hoc não resultaram como esperava, Almeida foi marcante para o desenvolvimento da produção extensiva da árvore-da-borracha, que viria a ser um dos mais importantes esteios da economia da península Malaia nas décadas seguintes, chamando a atenção para as potencialidades da resina da borracha e sua aplicação industrial.
Almeida foi, também, uma referência cultural. No seu casarão recebia ao som de orquestra as mais importantes figuras da cidade, bem como forasteiros, em saraus de música e poesia que foram lembrados como preciosos apontamentos de entretenimento e presença da Europa num pequeno mundo dominado por expeditos homens de negócios.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Nova Portugalidade
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