segunda-feira, 14 de junho de 2021

Um 10 de Junho de Futuro



Mais que a miséria confrangedora dos discursos, horrível verdadeiramente neste e em todos os 10 de Junho da minha vida é o choque com a realidade trágica de um país perdido. Somos terra abandonada ao seu azar, desconhecida e incompreendida até pelas elites, sem uma gota de amor próprio e sugada de toda a energia vital. Portugal não tem medo, mas isso porque só tem medo quem não quer morrer. Fechados no baú de uma inconsciência auto-imposta, pensamos fintar o perigo pelo esforço de não pensar nele. Banalidades piedosas, aplaudidas sem chama por um povo cansado: vejo este 10 de Junho e lembro-me de que a nossa festa nacional é um enterro. Não do poeta, mas nosso.

A 10 de Junho de 2021, a dívida do Estado ronda os 140% do PIB. Dos quarenta milhões de homens e mulheres que têm ou poderiam ter, se a pedissem, cidadania portuguesa, pouco mais de 9 vivem dentro das nossas fronteiras. Só na última década, saiu quase um milhão. Estagnada há vinte anos, a economia nacional foi ultrapassada em rendimento per capita por boa parte das nações do leste – caminhamos, confortados por uma cegueira voluntária e suicida, para a posição espantosa posição de mais pobre país, não já da Europa ocidental, mas da UE inteira. Os países com chefias avisadas preparam-se para a crise que inevitavelmente virá: os EUA ou a França reindustrializam-se, reduzindo a dependência face ao mercado global; Londres recupera a soberania política com o Brexit; a Hungria e a Rússia acumulam fabulosas reservas de ouro e de moeda estrangeira. A 10 de Junho de 2021, as reservas financeiras do Estado português roçam os vinte mil milhões de euros, ou três meses de importações. Isto num país que dirige 80% do seu comércio à União Europeia: a região do mundo que menos cresce economicamente a seguir à Antártida, e, de longe, a mais instável. A 10 de Junho de 2021, os partidos que poriam fim à UE como ela hoje existe – e, logo, à torneira que nos mantém vivos – têm entre 40 e 50% na França e na Itália. Nem isso nos faz despertar do coma profundo em que caímos.

Há soluções para a reconstrução nacional. Umas imediatas porque urgentes; outras de longo prazo. O patriotismo oco e estéril que todos – ou quase todos – reivindicam ser o seu pode dar lugar a um patriotismo consequente: um patriotismo feito programa político. Recuperar a independência nacional, ancorá-la numa confederação com os nossos irmãos de civilização no espaço da Portugalidade, regressar à nossa parceria histórica com os países do Atlântico, voltar à EFTA ou criar em Portugal um microcosmos de competitividade e inovação que, seguindo o exemplo de Singapura, para cá atraia capital e tecnologia. Por muito que o tempo seja de polarização e que dizê-lo não traga aplauso, a verdade é que parar a hemorragia que mata Portugal não será possível com uma coligação de partidos, e muito menos com um partido apenas. Afastar Portugal do suicídio exige os esforços de portugueses de várias áreas políticas; exige ideias, sobretudo, exige vontade.

Em lugar disso, o país ensandeceu. Perante um perigo mortal que recusa ver, foge da política e prefere-lhe a grotesca sucessão de tricas, casos e irrelevâncias que o vão distraindo do que verdadeiramente há de importante. Os partidos ocupam-se de ninharias. Os principais não querem mais que continuar agarrados ao poder, sabedores de que perdê-lo os deixaria sem maneira de alimentar um vasto séquito de clientes; os mais pequenos ocupam-se de manobrar, cada um a seu gosto, guerrilhas étnicas que os próprios inventam e estimulam. Ninguém, entretanto, parece interessar-se pelas questões que verdadeiramente importam, e a que um patriotismo verdadeiro e racional as obrigaria: colocar o interesse do Estado (ou seja, o país politicamente considerado) acima de todas as coisas, prever-lhe ameaças e a realizar o seu interesse. É desse 10 de Junho que o país precisa, e é esse o que merece.

Rafael Pinto Borges

Fonte: Notícias Viriato

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