quinta-feira, 5 de agosto de 2010
O embaixador imperial
No Expresso do passado fim de semana e no meio dos trastes do costume, o prático saquinho de plástico reservava-nos uma extensa e interessante separata, focando as já seculares relações luso-japonesas que dentro de três décadas comemoração o V Centenário. Este será um século de celebrações luso-asiáticas - a desconfiada Índias, as receptivas Tailândia, Indonésia, Ceilão, Malásia, Birmânia, e China - e se existisse a mínima intenção em se aproveitar esta oportunidade única, muitos proventos Portugal retiraria de um património que de tão esquecido ou negligenciado, pertence apenas aos poucos que por ele se interessam. Em poucas palavras, a um punhado de académicos, alguns dos quais persistem em manter esta memória e inestimável contributo para aquilo que o Ocidente ainda é.
O embaixador imperial concedeu uma importante entrevista, na qual focou os tradicionais pontos de contacto entre os dois países e sobretudo, a grande influência cultural que teima em vingar num Japão nostálgico de um passado sempre evocado.
As glórias da modernidade conquistada por uma administração competente e sob a orientação de um soberano de excepção, fizeram do Império do Sol Nascente, uma grande potência que sacudiu o torpor de séculos de isolacionismo que poderiam ter transformado o país, em mais uma colónia do avassalador imperialismo europeu que em oitocentos alastrava por todo o Extremo Oriente. O império consolidou a sua independência, abriu-se ao mundo, contratou técnicos e deu uma especial atenção à formação de quadros, libertando-se de preconceitos locais que viam o estrangeiro como uma ameaça à segurança de uma velha comunidade de enraizadas convicções e princípios. Seis décadas decorridas após a revolução Meiji, os couraçados japoneses já haviam vencido a frota russa em Tsushima, tinham perseguido os navios do Kaiser pelo Pacífico fora e substituído a Alemanha como presença em valiosos territórios na China, nas concessões internacionais que mais não eram, senão arremedos de possíveis futuros Hong-Kongs. Culminou esta ascensão, com a simbólica presença da frota japonesa nos portos da Indochina Francesa, onde risonhos vietnamitas respondiam às imprecações escandalizadas dos seus gálicos senhores coloniais, dizendo que ..."os japoneses são duros ocupantes, mas aqueles porta-aviões e couraçados foram construídos na Ásia e pertencem a gente igual a nós".
A parte substancial do discurso do diplomata, deverá ser entendida nas evidentes sugestões enviadas às eternamente distraídas, euro-obcecadas ou ignorantes autoridades portuguesas. O senhor embaixador diz aquilo que há muito tempo os monárquicos têm defendido, mas sem qualquer tipo de sucesso junto do poder instituído. Os governos portugueses olham demasiadamente para a Europa Central, um espaço que nos é estranho e pouco favorável. Portugal é um país europeu, mas as suas verdadeiras oportunidades de crescimento, encontram-se precisamente naquele património adquirido ao longo de séculos de persistente labuta daqueles que tendo governado o país, deixaram à iniciativa dos mais ousados, o estabelecimento de entrepostos comerciais que conseguiram irradiar uma cultura que decisivamente contribuiria para o progresso em paragens tão distantes e díspares como a África dos dois oceanos, a América do Sul e a Ásia.
Quase podemos sentir o desdém contido, em certeiros comentários que sugerem a hipótese que persiste em perder-se, de um Portugal que nas devidas proporções ..."poderia ser o Japão da Europa". A extraordinária posição geográfica no centro do grande comércio mundial que liga o Atlântico a todos os outros oceanos do planeta, uma língua que tende a expandir-se a par do inglês e do espanhol, uma situação climatérica privilegiada e uma população nada avessa à curiosidade e ao conhecimento do outro. O embaixador diz aquilo que no seu país é interiorizado como uma quase absoluta verdade histórica: Portugal não é a "mesma coisa". Os japoneses respeitosamente reverenciam os contactos estabelecidos com holandeses, espanhóis e ingleses, mas no caso de Portugal, esse respeito vai muito além da sua proverbial cortesia. Entra-lhes pela casa adentro, permanece nas páginas dos seus livros de história, come-se à mesa, continua em palavras do quotidiano e por mais paradoxal isso nos possa parecer, significa o progresso de um momento inesquecível. É isso mesmo que hoje os faz desfilar pelas ruas de uma Lisboa calcinada pelo sol de verão, procurando nas nossas fachadas, os elos nunca perdidos com aquele velho reino que tanto lhes deu e que decerto gostariam ver reerguer-se e figurar entre os maiores.
De uma forma cortês, o embaixador imperial desferiu um tremendo ataque a uma política ruinosa, estúpida e incompetente, que tem privado Portugal do seu verdadeiro lugar no mundo.
Em retribuição pelos missionários, militares e comerciantes que há quinhentos anos chegaram ao Japão, não poderá o único Tenno discretamente enviar-nos uma completa e multidisciplinar missão composta por Nakamuras, Konoyes, Suzukis, Oshimas ou Umezus, que contribuam decisivamente para o quebrar das grilhetas que nos prendem a este pelourinho e deixa Portugal à mercê de todas as intempéries?
Nuno Castelo-Branco
Fonte: Estado Sentido
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