quarta-feira, 11 de agosto de 2010

D. Afonso livre, na Inglaterra

Países há muito submetidos a um poder estranho e opressivo. Elites locais que já não o eram, mercê do controlo exercido pela força exógena que as afastava do exercício dos negócios públicos. Finalmente independentes, os povos viam chegar uma autoridade unificadora e livre de compromissos com clãs, grupos de interesses ou favoritismos por este ou aquele círculo de amigos. Foi precisamente este aspecto essencial, o da "importação da monarquia", aquilo que o século XIX tornou norma nos novos reinos criados pelo progressivo desagregar do Império Otomano: à Grécia chegou um rei bávaro e a Roménia que nascia da união entre a Valáquia e a Moldávia, apelou a um Hohenzollern-Sigmaringen. Os búlgaros escolheriam um Saxe-Coburgo-Gotha para dar continuidade aos desaparecidos czares medievais, evitando possíveis conflitos internos e rivalidades locais, ao mesmo tempo que aproximava e acreditava o novo Estado junto das demais nações europeias. A Bélgica de 1830 já outro tanto tinha feito e instaurara uma próspera Monarquia Constitucional que desde cedo se tornou num foco de estabilidade das fronteiras na Europa Ocidental.

Homens preparados para o exercício do mais alto cargo do Estado, estes monarcas, rapidamente conseguiram nacionalizar as suas dinastias que de longe chegaram. Os Hohenzollern quebraram as peias impostas pelos vizires de Istambul, alargaram as fronteiras do reino, criaram universidades e institutos, obrigaram pela primeira vez em muitos séculos, ao primado da Lei Geral sobre o livre arbítrio dos potentados locais, ou do ocupante. A Bulgária que concomitava com a ainda poderosa Turquia, beneficiou da decidida acção do czar Fernando que além de adoptar o modelo germânico de organização militar - essencial para a a preservação da recentemente conquistada independência -, aproximou o país da há muito perdida ligação ao espaço eslavo, formando uma consciência nacional que ainda perdura.

Foram estes os reis que de fora chegaram e libertaram nações espoliadas, erguendo-as em Estados sem os quais a Europa não se reconhece nos mapas.

O Expresso de ontem, trazia uma notícia que pelo inusitado destaque, dará que pensar e certamente, será comentada - como hoje mesmo já tive a oportunidade de testemunhar - nos mais diversos círculos da sociedade civil e também, embora discreta e embaraçadamente, junto do poder. A verdade é que D. Afonso, Príncipe da Beira e futuro Duque de Bragança, de Portugal sairá para iniciar a sua formação académica. Mais importante ainda, o futuro rei durante largos anos será apartado de todo o tipo de grosserias, baixa intriga invejosa e dos habituais e bem conhecidos dislates a que a sempre medíocre mesquinhez imperante não o pouparia. Estará D. Afonso livre para estudar, conhecer uma sociedade onde se dá a total primazia ao sentido prático das coisas e à ciência. Livre da funesta francesice que no nosso país agrilhoa o espírito criativo dos estudantes sempre receosos de vindictas de discutíveis sapiências, que nas suas torres de marfim se empanturram de fátuas vaidades, o príncipe vai conviver com jovens que dentro de um quarto de século dirigirão países, grandes instituições políticas, financeiras e culturais. Poderá organizar o seu pensamento noutra língua, que já é universal e pedra basilar de quem se interessa pela pesquisa científica. Sem constrangimentos impostos pelos salamaleques dos inevitáveis e aborrecidos áulicos que esterilizam ambientes palatinos, poderá ser quem realmente é e quer ser. Também apartado do assédio moral de académicos preconceituosos - e quantas vezes politicamente comprometidos - que industriam o corpo discente nos esquemas viciados do actual sistema, D. Afonso finalmente conhecerá a imparcialidade do julgamento dos seus professores e a solidez de currículos, onde os programas que visam antes de tudo controlar "situações", não têm qualquer benefício da complacência da academia.

Há alguns meses, deixei um comentário no Centenário da República, manifestando esta desejável possibilidade do Príncipe da Beira formar-se fora de Portugal e de preferência, numa instituição anglo-saxónica, britânica ou norte-americana. Basta de França!

Os Duques de Bragança decidiram-se pela Inglaterra e muito bem. A proximidade geográfica, os laços familiares com a casa reinante, a saudável normalidade e solidez da instituição monárquica, terão decerto pesado nesta decisão. Para mais, o pretenso igualitarismo que nos EUA se baseia única e exclusivamente na elite que o poder da conta bancária tudo decide, não seria de molde a propiciar a necessária garantia emocional que o descendente de uma das mais antigas dinastias europeias necessita. Todos conhecemos a profunda ignorância ou despeito que os norte-americanos votam à própria existência de qualquer monarquia, dando sempre preferência a qualquer meliante esbulhador de povos, ou torcionário alçado à categoria do pouco recomendável título de President que hoje em dia pouco mais é, senão uma marca de queijo. Portugal é a prova cabal desta nada arriscada afirmação.

A Europa foi campo fértil para o exercício de todas as manías, faltas de inteligência, exercício do livre arbítrio e porque não dizê-lo?, da profunda e enraizada estupidez de consecutivas administrações americanas. A lista é longa, iniciando-se logo com a escusada obrigatoriedade da deposição dos Kaisers de Berlim e de Viena. Vinte anos mais tarde, o patético Roosevelt traía Pedro II da Jugoslávia e desobrigava o violento, grosseiro e arrivista Tito, de qualquer padrão de conduta que garantisse os direitos dos diversos povos que compunham a Jugoslávia. Washington apoiou a ditadura dos coronéis gregos - contra Constantino II -, abandonou a Roménia e a Bulgária aos apetites bestiais de Estaline e da sua sangrenta corte de bandidos, enquanto na Ásia, acicatava este ou aquele militarão seu fantoche, a depor os monarcas do sudeste asiático. Sabemos e deploramos a traição do semi-iletrado Carter ao Xá Mohamed Reza Pahlevi, um estadista de incomparável valor, muito acima de qualquer residente da Casa Branca que já tenhamos conhecido. Na Itália, a administração norte-americana, profundamente comprometida com a máfia que com o US Army desembarcou em 1943, patrocinou a organização de um "referendo" que jamais o foi, dada a colossal fraude de que se revestiu e que consagrou a outorga do poder a um bando criminoso que naquele país ainda é uma imagem tão de marca como qualquer Armani, Trussardi, Dolce & Gabbana ou Versace, agora na sua versão trottoir, de nome Donatela.

Com o descalabro que Portugal hoje vive, o descrédito da instituição republicana é palpável e em termos constitucionais, adivinha-se uma inevitável ruptura. É sabido que o actual presidente jamais esteve à altura da chefia do Estado - toda a sua vida pós-1979, consiste num exaustivo rol de iniciativas tendentes a um mero e desinteressante projecto de promoção pessoal -, tal como os seus opositores muito longe estão de preencher os essenciais requisitos de mínima credibilidade.

Que D. Afonso parta no fim do verão e regresse dentro de uma década. A pátria agradecerá.

São estas, duas boas notícias. A da esperada queda de um estado de coisas que ameaça a existência do país e a previsível chegada de uma alternativa, verdadeiramente portuguesa e livre das viciadas e bem conhecidas influências.

Nuno Castelo-Branco

Fonte: Estado Sentido

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