“Nunca renunciei à nacionalidade portuguesa.
Houve um animal na Administração Interna que me disse: “você foi colonizado”.
Eu respondi: eu nunca fui colonizado. Os meus antepassados foram colonizados, mas eu não. Eu nasci numa Nação chamada Portugal”.
Marcelino da Mata.
Por meados dos anos 90, num dia 10 de Junho, Dia de Portugal, uma grande aglomeração de gente, na maioria, antigos combatentes das últimas campanhas ultramarinas, juntou-se ao redor do Monumento aos Combatentes do Ultramar, sito junto ao Forte do Bom Sucesso, no Restelo – hoje ocupado pela Liga dos Combatentes -, a fim de participarem numa cerimónia de homenagem aos que, de armas na mão, foram chamados a defender o seu País, como aconteceu em todas as gerações, desde o início da nacionalidade.
Homenagem que os órgãos do Estado, desde 25/4/74, levaram décadas a fazer e, ainda hoje, o fazem com relutância.
Naquele ano havia uma concentração inusitada de antigos combatentes, que vieram ao mundo com uma tez negra, oriundos das antigas Províncias Ultramarinas (cujos símbolos a Camara de Lisboa quer fazer desaparecer da Praça do Império…), muitos deles ostentando trajes típicos e quase todos usando boinas e distintivos militares. Grande percentagem tinha pertencido a forças especiais portuguesas, nomeadamente, “Comandos”.
Presentes no local estavam vários órgãos de comunicação social (o que passou a ser raro), incluindo televisões.
Uma jovem jornalista de um dos canais de televisão (crê-se da SIC) impressionada com a presença de tantas pessoas de origem africana e do que ouvia dizer dirigiu-se a um deles (que ostentava um emblema da Causa Real, no casaco!) e perguntou-lhe: “O que é que vocês estão a fazer aqui?” A resposta veio pronta “estamos aqui a celebrar o dia da nossa Pátria fundada pelo nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques”.
A jornalista dando mostras de ter ficado com os “fusíveis fundidos”, balbuciou “e há mais pessoas que pensam assim?”; “há, olhe à sua volta”. Seguiram-se várias entrevistas.
Escusado será dizer que nada foi editado e passou nas pantalhas. Talvez não fosse má ideia tentar recuperar as imagens e o que ficou registado, quanto mais não seja para mostrar ao “SOS – Racismo” e aos senhores deputados da Nação que agora aprovaram uma resolução pífia, onde entregaram 15 milhões de euros a um grupo de trabalho para combater o Racismo…
Marcelino da Mata também ia sempre que podia a esta cerimónia, de portugueses de alma limpa, onde tinha lugar marcado por ser Cavaleiro da mais importante condecoração portuguesa, que lhe foi atribuída em 2 de Julho de 1969, a Antiga e Mui Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. E bem a mereceu, pois nunca lhe faltaram o Valor a Lealdade e o Mérito!
O nosso Marcelino, porém, já não assistirá mais à cerimónia, pois faleceu no pretérito dia 11 de Fevereiro: não conseguiu resistir, aos 80 anos, a uma “emboscada” do Covid 19, pelos vistos um inimigo ainda mais insidioso do que aqueles que nos combateram, em África, e que ele sempre derrotou no campo de batalha.
Morreu uma lenda viva, que não o era só do Exército, mas de todas as Forças Armadas Portuguesas, como muito bem o comunicado do Estado - Maior General das FA aduz. Uma lenda, todavia, bem real pois nada do que fez ou se diz ter feito, era apenas mito. Aconteceu mesmo.
Marcelino da Mata foi um indómito guerreiro, que tendo sido alistado como soldado, em 3 de Junho de 1960, foi sendo sucessivamente promovido até Major, o mais das vezes por distinção. Ainda em 1994, foi graduado em Tenente – Coronel, mas sempre recebeu como capitão até á sua recente promoção a Major, em 2 de Junho de 2020…
Esta última promoção foi contrariada por gente medíocre, que tendo até estudos, não lhe chegavam aos calcanhares em hombridade, carácter, coragem e espírito militar. Já nem falo em Patriotismo…
Do seu longo curriculum militar e humano não cabe aqui uma visão de pormenor. Diremos apenas que combateu ininterruptamente, durante onze anos, tendo sido contabilizadas 2.412 (!) acções de combate em que participou. Nelas arriscou a vida inúmeras vezes e sofreu ferimentos vários. Mas o único ferimento grave que justificou uma evacuação para o Hospital Militar da Estrela (de saudosa memória) foi devido a acidente com arma de fogo de um seu companheiro. Aqui o apanhou o Golpe de Estado ocorrido em 25 de Abril de 74.
Marcelino da Mata, de etnia Papel, católico, era filho de gente pobre e não teve estudos liceais, nem cursou qualquer escola superior militar. Subiu a pulso, era um homem simples, humilde e algo ingénuo. Tinha, porém, uma forma intuitiva e pouco ortodoxa de combater e fazer a guerra, especializando-se em acções de contra- guerrilha, fazendo-se apenas acompanhar por meia dúzia de combatentes da sua confiança.
É quase épica a sua ideia em mandar tocar uma corneta, no meio do mato em que anunciava a sua intenção de atacar, ao mesmo tempo que afirmava a sua falta de temor pelo inimigo… E chegava ao ponto de se infiltrar com os homens que liderava, no meio de grupos de combate do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde, que combatia a presença política de Portugal em África), fingindo que pertencia às suas fileiras, para os eliminar, quando encontrava o momento oportuno. Actuação pouco convencional, mas que vai ao encontro da “Surpresa”, Princípio incontornável da Guerra, que dita, enfim, realizar acções que o inimigo julga impossível ou muito improvável serem realizadas…
E também é conhecida a sua permanente disponibilidade para socorrer ou salvar vidas de camaradas seus, como é exemplo a sua participação na célebre Operação Mar Verde, e na recuperação de pilotos da Força Aérea acidentados ou atingidos pelo fogo inimigo.
No fim conseguiu o feito absolutamente incomensurável de passar a ser o militar mais condecorado das Forças Armadas Portuguesas! Onde constam cinco cruzes de guerra (sendo duas de 1ª classe) - o significado disto já quase ninguém tem noção no país pela simples razão que a Instituição Militar foi desprezada e ter deixado de haver Serviço Militar Obrigatório…
Nenhuma das condecorações foi obtida por feitos de secretaria ou de acções de gabinete, tão pouco por qualquer favor de circunstância. Decorreram de muitos sacrifícios, sangue, suor e lágrimas!
Durante as fases mais agudas da “Revolução dos Cravos” foi perseguido, chegando – se à infâmia inaudita, de ter sido seviciado dentro de um quartel, por vários camaradas de armas, cujos nomes são conhecidos, e outros revolucionários (da treta) esquerdopatas, que nunca foram julgados e condenados pelos seus crimes. Na sequência emigrou para Espanha, à semelhança de muitos outros portugueses, que discordavam das malfeitorias em curso.
Também foi proibido de pisar a sua terra natal – onde chegou a ter a cabeça a prémio – pelas novas “autoridades” do País, até hoje, falhado.
E não deixa de ser irónico que, na passada semana, 47 anos depois, um grupo de guineenses, antigos militares do Exército Português, a quem tem sido negada a nacionalidade portuguesa, ou qualquer outro apoio, irrompessem no cemitério de Bissau, onde existem cerca de 500 campas de antigos militares lusos, tivessem coberto as campas de uma dezena deles com a Bandeira das Quinas, discursassem patrioticamente, e mais uma vez solicitado que lhes fosse concedido o que é de Direito e até, de simples decência (veja-se como é de pôr os cabelos em pé, comparar-se isto, com o que se passa actualmente com os migrantes!). Repare-se ainda, na mudança na atitude do governo da RGB que tudo deixou passar na televisão…
Portugal devia estar de luto, no mínimo o Exército Português, que serviu com inexcedível valor militar e patriotismo. Infelizmente, tal não irá acontecer. Afinal Marcelino da Mata, não tem passado “antifascista”; não se drogava por “culpa” da sociedade; não jogava à bola, nem era baladeiro ou estrela de rock. Era apenas um combatente de excelência, português, que passou a estar no sítio errado, na hora errada.
O Portugal de hoje, sem memória, sem vergonha, materialista, corrompido, eivado de ideias e ideologias malsãs, sem tino e sem rumo, não merece a distinção de ter Homens como Marcelino da Mata, que nem sequer vai poder ser homenageado com honras militares fúnebres, mais do que merecidas.
Para Marcelino da Mata fica a marcha da continência e um grande “Mamae Sumae”. O seu nome ficará na História Militar Portuguesa, do século XX.
Que Deus o tenha em Sua Santa Guarda, pois muito penou nesta vida.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
Fonte: O Adamastor
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