António Cabral, advogado, político, jornalista, foi um dos que a 6 de Outubro de 1910 permanecia monárquico, ao contrário das hordas de adesivos que formaram os novos gabinetes ministeriais e o funcionalismo público do novo regime. Apesar de se manter fiel à Causa, foi arguto e mesmo imparcial cronista da época que se seguiu (como republicanos houve com as mesmas qualidades). Apaixonado camilianista e cultor das artes nacionais, é um dos grandes e últimos polemistas, em cujos textos cabia a lealdade e a honra, qualidades tão esquecidas nos dias de hoje.
Os seus textos, como o que se segue, são janelas abertas sobre a época conturbada do antes e depois da República.
E as suas análises políticas e sociais são de uma flagrante contemporaneidade e serviam para o século XIX, os conturbados anos da 1.ª República, como para os dias de hoje.
«Mas, exactamente porque assim penso, é que sou pela Monarquia e não pela República. Sou por um chefe permanente e não por chefes de tirar e pôr.
A Monarquia é o governo de um só, que plana acima e fora dos partidos, é o zelo pelo interesse nacional, que é o seu próprio, é a Tradição, é a glória de de anos e anos de conquistas e descobertas. Veja-se o que sucedeu na Noruega, quando esta se separou da Suécia. A maioria dos noruegueses optou, em plebiscito, pela Monarquia e deixou de parte a República. Foi assim que o príncipe Carlos da Dinamarca se viu chamado a ocupar o trono da Noruega, com o nome de rei Haakon, ainda hoje, felizmente, reinante. Com Sua Majestade tive a honra de conversar, quando ele, ainda Príncipe, esteve em Lisboa: era afável, delicado e pareceu-me dotado de altas qualidades. Guiada pelo seu Rei, a Noruega tem sabido equilibrar-se em meio do mais que desafinado concerto das nações.
A República é o governo de muitos, é a desordem, é o sistema que tem à frente um chefe eleito, em regra, pelo partido mais numeroso, e, portanto, a este subordinado, ou, pelo menos, para ele inclinado, politicamente. Aí estão os factos a demonstrá-lo. A República ilude o povo, dizendo-lhe que é ele o soberano, que é ele que governa, quando a verdade é que o pobre povo... o soberano, é espingardeado e metralhado pelos que mandam, quando tenta protestar contra escândalos graúdos e ilegalidades revoltantes. São ainda os factos que o provam.
Vêm dizer-me que o regime, monárquico em Portugal, padecia do vício de origem e por isso caiu; mas logo surge a contradição, quando os que se encostam a tal dislate afirmam que foram as lutas dos partidos e a desagregação destes que o derrubaram! Em que ficamos?... A queda da Monarquia deve-se ao vício orgânico do regime, o que eu nego, ou às ambições e lutas dos homens, como eu afirmo?. A culpa foi do Rei, que os republicanos assassinaram, vil e covardemente, ou dos que agrediam e injuriavam o Rei, fossem de que partido fossem?»
António Cabral, As minhas memórias de jornalista, [1948], pp. 17-18.
Fonte: Centenário da República
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