A efectiva democracia só existe se nela organicamente conviver a diferença. Porque ser democrata não deveria ser uma abstracção, uma teoria; antes uma prática
Dramático é como em Portugal, um pequeno país tendencialmente iletrado e com pouca tradição democrática, mesmo perante uma tão soberba crise, a discussão política se nos apresente tão afunilada. Nos media dominantes, no meio intelectual estabelecido, exacerba-se o artifício para a ilusão de diferença: impera o pensamento cinzento, viciado em meia dúzia de lugares-comuns, que se rebatem depressa numa folha de cálculo. Mais assistencialismo, menos liberalismo… Os nossos articulistas, políticos e jornalistas da moda raramente assumem efectivas diferenças, ou um pensamento profundo, por prudência… ou para não desfocar da “agenda”. O sistema mediático alimenta-se da promoção das mesmas caras conhecidas, encobertas cumplicidades em falsas controvérsias, que são lenitivo para um público que necessita de se saber encaixado num lado, e acreditar que amanhã tudo permanecerá na mesma mediocridade para dormir sossegado.
Acontece que a efectiva democracia só existe se nela organicamente conviver a diferença. Porque ser democrata não deveria ser uma abstracção, uma teoria; antes uma prática, um desafio vivido – exige exercício, maturidade, civilização. O democrata ultrapassa os seus preconceitos, domina as suas emoções, e escuta, aceita o Outro. Mesmo que esse Outro seja adversário na disputa do seu mais ansiado objecto.
Em Portugal nada disso acontece, e assim nos últimos duzentos anos tivemos uma guerra civil, um regicídio intervalando meia dúzia de revoluções. Resultado: hoje a pobreza e o fosso das desigualdades é aberrante, a liberdade tem dias, e a fraternidade é o que sabemos. Portugal está longe de ser uma nação civilizada. Numa civilização adulta, o pensamento e as ideias diferentes deveriam coexistir num saudável conflito, franco e aberto, sem preconceitos, sem amputações provocadas por velhos ódios recalcados, escondidos, latentes, perversos. Em nome da liberdade, o que não valeria exorcizar os espíritos enfermos desses esqueletos nos armários.
João Távora
Fonte: i
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