António Ribeiro Ferreira com o amargurado cepticismo com que nos vem brindando nos seus editoriais do jornal i, hoje retoma en passant um assunto de vital importância para o nosso regime em acelerado estado de corrosão: a reforma do sistema político.
Porque no meu entender o parlamento é o órgão de soberania plural e democrático por excelência, onde salutarmente se deveriam confrontar as diversas facções representativas de interesses e ideias, é trágico concluirmos que a famosa reforma nunca irá para a frente pela simples razão de os aparelhos partidários, velhos, desgastados, corruptos, clientelares, fechados, máquinas de emprego público e de muita cacicagem, não quererem assinar a sua sentença de morte.
De resto desenganem-se os iludidos, que os restantes vértices do regime também são enfermos e não auguram nada de bom. Perante a borrasca que nos ameaça a todos, atente-se como se encontra comprometido o papel basilar da Chefia de Estado, não especialmente por causa da proverbial aselhice do actual inquilino de Belém, mas pela natureza fundacional do cargo. Se a sua legitimidade sufragada eleitoralmente, especialmente nesta conjuntura, impele à intervenção e confusão de narizes com o Executivo, a sua real falta de poderes denuncia a sua patética inutilidade. Compreende-se porquê os mais genuínos republicanos, vacinados pelo regime semipresidencialista que vigorava na monarquia constitucional, sempre dispensaram a figura do presidente, ou a tal “benigna ficção” como lhe chama Miguel Morgado.
Hoje como nunca, a crise brutal que mina transversalmente toda a sociedade civil, apela à autoridade de uma voz (ou silêncio), independente, que seja ao mesmo tempo, representante dele próprio e de todos os que o antecederam e do todo que somos como povo, resiliente realidade transgeracional com 900 anos de História. É trágico, mas o regime não oferece aquilo que nunca como hoje foi tão urgente: uma reserva moral a montante da espuma dos dias, figura independente e aglutinadora de motivação e esperança. Algo impossível a quem emergiu da guerrilha politica e da gestão dos clientelismos e ilusórias negociatas que conduziram o país ao presente abismo. Estamos de facto entregues à deriva e favores europeus, cujos ventos esperamos se nos revelem indulgentes para com a nossa miséria. Que jamais as guerras, regicídios ou revoluções dos últimos duzentos anos conseguiram mitigar.
Sem comentários:
Enviar um comentário