«Por este andar, qualquer dia exige-se que os católicos usem um distintivo,
como o nazismo impôs aos judeus: a estrela de David.»
O PSD propôs esta terça-feira uma alteração legal para tornar obrigatório que deputados e titulares de cargos públicos declarem, no seu registo de interesses, se pertencem a associações e organizações ‘discretas’ como a maçonaria e Opus Dei. A proposta foi feita numa reunião da comissão parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados em que estava previsto o debate do diploma apresentado pelo partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) para incluir no regime do exercício de funções dos titulares de cargos políticos ‘um campo de preenchimento facultativo’ para indicarem se pertencem a esse tipo de organizações.
Se na proposta do PAN a declaração era facultativa, a proposta do PSD, apresentada pelo deputado André Coelho Lima, considera que, se é importante, deve ser obrigatório os deputados e titulares de cargos políticos declararem todas as associações a que pertencem, das associações de bairro a um clube desportivo” (Expresso, 16-3-2021).
Como toda a gente sabe, o Opus Dei não é nenhuma organização secreta, ou discreta, mas uma prelatura pessoal da Igreja católica, ou seja, uma espécie de diocese internacional. As dioceses obedecem, em geral, a um critério territorial, enquanto as prelaturas pessoais prestam um serviço pastoral específico, como é neste caso a promoção cristã do laicado. De modo análogo a como os bispos diocesanos são instituídos por mandato pontifício, também é o Papa quem nomeia o prelado do Opus Dei, que dele depende através da Congregação para os Bispos, e que exerce o seu múnus eclesial em comunhão com o episcopado das dioceses em que esta instituição da Igreja desempenha o seu apostolado.
A questão do suposto ‘secretismo’ ou ‘discrição’ é uma não questão: se alguma entidade pública, nomeadamente um partido político com assento na Assembleia da República, tiver alguma dúvida sobre a natureza, fins e actividades da prelatura do Opus Dei, pode e deve esclarecer-se com a Nunciatura Apostólica, que representa oficialmente a Santa Sé junto das autoridades portuguesas e que, melhor do que ninguém, pode informar qualquer organização, pública ou privada, sobre a prelatura, que é uma instituição eclesial de direito pontifício.
Questionar, em pleno século XXI, o suposto ‘secretismo’ ou ‘discrição’ do Opus Dei, ou equiparar esta instituição da Igreja católica à maçonaria, é tão anacrónico como reeditar, em 2020, as calúnias que levaram, em 1759 e em 1910, à expulsão dos jesuítas. O PSD e o PAN, não obstante o evolucionismo, parecem ter regredido aos primeiros séculos da era cristã, quando estava na moda atirar os fiéis às feras. Claro que hoje essa prática não seria aceitável, não por consideração pelos crentes, mas por respeito pelos animais.
A verdade é que a prelatura do Opus Dei é tão ‘secreta’ ou ‘discreta’ como qualquer diocese católica. São públicos os nomes dos bispos diocesanos e dos membros das cúrias diocesanas, como públicos são também os nomes do prelado do Opus Dei e dos seus representantes, ou vigários, em todas as circunscrições em que realiza, em comunhão com as igrejas locais, as suas actividades pastorais. São públicos os nomes dos sacerdotes diocesanos, como públicos são também os nomes dos presbíteros da prelatura. Também são conhecidos os nomes dos membros dos órgãos sociais das iniciativas apostólicas do Opus Dei que, em geral, também têm personalidade civil, e cujas actividades são públicas. Também tem um gabinete de comunicação, que está à disposição das entidades públicas e privadas, bem como das instituições, meios de comunicação social e particulares, que desejem alguma informação sobre o trabalho pastoral desenvolvido pela prelatura no nosso país.
Mas, não é verdade que a prelatura não divulga a lista de todos os seus fiéis? Sim, claro, como também nenhuma diocese, ou paróquia, publica a lista dos fiéis diocesanos ou paroquiais, sem que por esse motivo possam ser tidas por ‘secretas’ ou ‘discretas’.
Propor que os políticos e os altos cargos públicos declarem a sua pertença a ‘organizações de carácter discreto’ não só é discriminatório, como absurdo. Com efeito, se se exige que o candidato a um determinado cargo público declare a sua pertença a uma organização católica, só há duas hipóteses: que essa declaração de interesses seja relevante para a sua nomeação; ou, pelo contrário, não interfira com esse processo. Ora, se uma declaração com esse teor teria consequências para o declarante, nomeadamente impedindo a sua nomeação, seria, obviamente, discriminatória e contrária à liberdade religiosa, dada a natureza exclusivamente confessional da instituição. Se, pelo contrário, essa declaração não tiver qualquer consequência no que respeita ao concurso público, então para quê exigir uma declaração que seria, nesse caso, absolutamente irrelevante?!
Além do mais, uma tal exigência seria, com toda a certeza, inconstitucional. E, em termos morais, seria defensável que um cristão, que fosse abusivamente questionado sobre a sua pertença a uma instituição católica, omitisse, em legítima defesa, essa menção, se necessário for para evitar uma injusta discriminação.
A proposta é também ofensiva em relação às restantes instituições católicas, o que não é justo. Com efeito, há muitos paroquianos da Encarnação, ao Chiado; de Maximinos, em Braga; do Bonfim, no Porto; de São José, em Coimbra; e de todas as restantes paróquias portuguesas, a participar em concursos públicos, sem menção da sua pertença a estas instituições católicas, não menos discretas do que a prelatura do Opus Dei. Quantos acólitos, escuteiros, guias, sacristãos, irmãos de confrarias, organistas, leitores, ministros extraordinários da Comunhão, catequistas ou vicentinos, andam por aí sem que ninguém saiba?! Não seria bom que se exigisse mais transparência a todos estes católicos ‘discretos’, senão mesmo ‘secretos’?! E que dizer dos leigos que participam nas actividades dos jesuítas, ou da Comunhão e Libertação, ou dos neo-catecumenais, ou dos carismáticos, ou dos focolares, ou dos franciscanos?!
Se pega esta moda, que lembra as odiosas práticas policiais do Estado Novo, institucionaliza-se a devassa à vida íntima e às convicções de qualquer cidadão. Por exemplo, antes de contratar um trabalhador, qualquer pessoa estaria legitimada para lhe exigir uma declaração de interesses filosóficos, políticos e religiosos. De facto, se um organismo público tiver o direito de preterir um católico, nomeadamente do Opus Dei, qualquer entidade cristã teria também o direito de discriminar quem não fosse crente.
É muito salutar a transparência dos políticos e altos cargos da administração pública, mas não à custa da liberdade religiosa dos cidadãos. É sabido que Rui Rio teve uma formação germânica que, porventura, moldou o seu carácter, mas seria lamentável que, por esse motivo, quisesse instaurar em Portugal um Estado policial, como o estabelecido pelo nacional-socialismo alemão, em que os cidadãos eram discriminados em virtude das suas opções religiosas e não só.
Se se prosseguir por este caminho de discriminação e, talvez, de perseguição religiosa, qualquer dia exigir-se-á que os católicos usem um distintivo, como o regime nazi impôs aos judeus: a estrela de David. E não será de mais lembrar que essa exigência política de ‘transparência’ foi o princípio do fim, ou seja, o começo do Holocausto.
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Fonte: Inconveniente
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