Nascido em Estrasburgo, a 15-9-1858, numa família aristocrática francesa, Charles de Foucauld ficou muito novo órfão de pai e mãe, sendo educado pelo seu avô materno, oficial do Exército, que nele incutiu o apreço pela vida militar, que seguiu. Destinado ao Norte de África, então colónia francesa, fez-se acompanhar pela sua amante e entregou-se a uma vida boémia. Conta-se que, tendo sido abatido o seu cavalo, por ter fracturado uma pata, discursou no enterro da besta, em que a elogiou dizendo que, seguramente, a dita iria para o céu, o que significava, pela certa, que nunca mais a veria …
Em 1886 converteu-se e, dois anos depois, foi em peregrinação à Terra Santa, com a qual tinha uma remota relação familiar, que também tem que ver com Portugal. Com efeito, Charles de Foucauld descendia de João de Brienne, Imperador de Constantinopla e Rei de Jerusalém, o qual tinha sido casado com a Infanta Berenguela de Castela, neta paterna da Infanta Urraca, filha de D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal. Alheio a estes majestosos antecedentes, foi a existência de Jesus em Nazaré que o cativou. Desde então, procurou imitá-la, numa vida de silêncio, de trabalho e de oração.
Embora seja tradicional o uso da expressão ‘vida oculta’, para designar o tempo que Jesus Cristo viveu em Nazaré, até ao início do seu ministério público, a verdade é que essa etapa da sua existência nada tem de misteriosa, nem de oculta. Com efeito, os evangelistas referem que a sua vida era, ao contrário do que é próprio dos religiosos contemplativos, genuinamente secular e laical. Não só vivia, como qualquer conterrâneo, na casa de família, com seus pais Maria e José, como constavam publicamente os nomes dos seus ‘irmãos’ e ‘irmãs’, que eram os seus parentes mais próximos, como acontece nas pequenas povoações, em que todos se conhecem bem, também pelas suas relações familiares (cf. Mt 13, 53-56).
Pelo contrário, seu primo João Baptista é protótipo da vida religiosa e do inerente contemptus mundi. Talvez por já ser órfão, uma vez que nasceu quando os seus pais eram já de idade avançada, habitava solitariamente no deserto, trajava “um vestido feito de peles de camelo e um cinto de couro à volta dos rins, e o seu alimento era gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3, 4).
Jesus de Nazaré, que também neste particular se distinguia do Baptista, desempenhava uma profissão socialmente relevante (Mc 6, 3), porque o carpinteiro daquele tempo, para além do que hoje se entende pela prática deste ofício, também exercia como mestre-de-obras. Só a normalidade dessa sua vida pode explicar o assombro causado, em Nazaré, pelas primeiras notícias dos seus milagres, realizados noutras paragens. Por isso, e por ter aplicado a si próprio uma passagem bíblica claramente messiânica, quando regressou a Nazaré e comentou a Escritura na respectiva sinagoga, quiseram-no precipitar do alto de um monte (cf. Lc 4, 16-29).
Em Charles de Foucauld a impropriamente dita “vida oculta” de Jesus foi sentida, paradoxalmente, como um apelo vocacional a uma vida solitária e contemplativa. A sua primeira experiência monástica aconteceu na Trapa, de onde saiu em 1897, para viver só, como eremita, entre os tuaregues. Já sacerdote, exerceu o ministério pastoral com os habitantes da região, e também com os elementos das forças armadas francesas que operavam na zona. Dedicava-se à oração, mas também ao trabalho e ao estudo das gentes e tradições do Norte de África, desenvolvendo um trabalho que lhe mereceu, em 1885, a medalha de ouro da Sociedade de Geografia de Paris.
O seu apostolado caracterizava-se mais pelo testemunho da sua presença e caridade, do que por qualquer acção directamente evangelizadora, ou proselitista. Na realidade, mais do que propor a fé cristã, procurava conhecer bem a cultura do povo tuaregue, com o qual se identificou, para que o processo de evangelização não fosse interpretado como uma acção promovida pela potência colonizadora, mas como algo inserido na cultura local. É em circunstâncias algo confusas que ocorre a sua morte, no 1º de Dezembro de 1916, em Tamanrasset, no Saará, Argélia.
Queira Deus que a sua próxima canonização favoreça a evangelização do Norte de África, que já tantos santos deu à Igreja, como São Cipriano de Cartago, Santa Mónica, Santo Agostinho de Hipona e, mais recentemente, os mártires de Tibhirine. Foi também nessa terra africana que o nosso Infante ‘Santo’ verteu o seu generoso sangue, bem como os mártires de Marrocos, a que Santo António de Lisboa ficou a dever a sua vocação franciscana.
P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA
Fonte: Voz da Verdade
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